Cotidiano

Matt Damon defende acusação de retratar o Oriente ?para inglês ver?

LOS ANGELES ? A controvérsia quase ficou maior do que o filme. E não se trata de qualquer produção, mas da mais cara da história do cinema chinês, estimada em US$ 150 milhões, em uma pioneira parceria com Hollywood. ?A grande muralha?, que chega hoje aos cinemas brasileiros, com direção de Zhang Yimou, é o primeiro filme em inglês do responsável por ?Herói? (2002), ?O clã das adagas voadoras? (2004) e a celebrada cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de 2008. O épico é passado no interior de um dos maiores símbolos da cultura chinesa e quer ser uma ponte com a cultura ocidental no momento em que a indústria do cinema americana olha com desejo para o enorme potencial das bilheterias do país mais populoso do planeta. Mas acabou dando uma enorme dor de cabeça a diretor e protagonista, o muy americano Matt Damon, criticados por contar uma história no e sobre o Oriente, mas ?para inglês ver?.

? Nesta nossa era do escândalo e da histeria, acho que a Grande Muralha é um ícone chinês tão importante que, ao verem meu rosto no pôster de um filme chamado, bem, ?A grande muralha?, as pessoas reagiram meio assim, ?mas, peralá, quem construiu a Muralha não foram os caucasianos, foram os chineses!? ? diz Damon. ? Vai ver foi isso que alimentou a polêmica, mas, quando as pessoas virem que é um filme de fantasia histórica, com mocinhos lutando com espadas contra monstros no deserto, a controvérsia provavelmente vai desaparecer.

Em ?A grande muralha? Damon vive um mercenário inglês em busca dos segredos da pólvora em uma China mítica. O personagem, frisa o ator, não poderia, pelo roteiro, ser asiático. O ator de 46 anos, celebrizado pela franquia ?Bourne?, morou por seis meses em Pequim no ano passado com a mulher e as filhas e trabalhou pela primeira vez com um diretor que não falava ?uma palavra de inglês?:

? Como eu também não falo mandarim e a equipe técnica tinha gente dos quatro cantos do planeta, as filmagens precisaram, e não é força de expressão, de uma centena de intérpretes. Foi fascinante e um aprendizado. No fim das contas, as perguntas que Zhang me fez não foram tão diferentes assim das de Martin Scorsese em um filme exclusivamente americano. Apesar de todo o espetáculo, Zhang queria se certificar de que eu passaria a honestidade, a verdade do personagem.

?A grande muralha? fez um sucesso estrondoso na China, mas não se saiu bem nos Estados Unidos. Desde que foi lançado nos cinemas chineses, o filme, coproduzido pelas americanas Universal, que adiantou 25% do orçamento, e Legendary e pelas chinesas China Film e Le Vision, fez impressionantes US$ 171 milhões em bilheteria. Nos EUA, no entanto, o primeiro fim de semana registrou pouco menos de US$ 20 milhões nos cofres dos distribuidores.

? Penso no filme como um primeiro experimento em uma grande produção dessa escala, dentro da parceria China-EUA. Mas certamente não será o último. A próxima fronteira para o cinema americano está claramente lá, e acho que fizemos uma história que agrada aos dois públicos, inclusive, e especialmente, o chinês ? defende Damon.

O ator diz que Yimou teve uma preocupação humanista na concepção do filme, cujos argumento e roteiro ficaram a cargo de nomes todos próximos de Hollywood, incluindo os americanos Max Brooks e Tony Gilroy. Ao caráter mais comercial do filme, com foco óbvio nos efeitos especiais, inseriu-se, diz Damon, a visão da união de estrangeiros (além do inglês William, o outro mocinho é o espadachim espanhol Pero Tovar, papel de Pedro Pascal) com locais (os guardiães da Muralha, vividos por alguns dos mais estrelados atores chineses e de Hong Kong, como Jing Tian e Hanyu Zhang) para salvar uma ameaça de proporções cataclísmicas não apenas para a China, mas toda a humanidade.

? Trabalhar com eles me levou a me apaixonar pela cultura chinesa e pela Grande Muralha, que, no filme, é a última barreira antes da invasão de monstros milenares e perigosíssimos ? conta Damon, que conclui: ? Pois toda vez que recebíamos visitas, no período em que moramos em Pequim, dávamos um jeito de viajar até a Muralha. Ali respirávamos fundo e nos maravilhávamos com o fato de nós, seres humanos, e, sim, eles, os chineses, termos construído algo tão incrível e com extensão tão imensa.