RIO ? Desde o começo da semana, um grupo de mais de 50 pessoas tem preenchido as salas, os corredores e o espaço sonoro do Museu de Arte do Rio (MAR) com um batuque dissonante, nervoso. Empunhando panelas, frigideiras, latas e cabos de vassoura, eles ensaiaram por seis dias o espetáculo ?Batucada?, num processo curto e intenso que, segundo o coreógrafo e diretor Marcelo Evelin, desvia-se da partitura coreográfica e se forma como ?um levante, uma reunião para algo emergencial?. Evelin vem travando um diálogo artístico com o contexto político do país em uma série de obras da sua companhia, a Demolition Incorporada. ?Batucada? é a mais recente delas, e está em cartaz desde ontem no Festival Panorama, no MAR, onde realiza mais duas sessões hoje e amanhã. O trabalho, que estreou na Bélgica em 2014, é composto por dez integrantes fixos que, a cada nova cidade, se juntam a 40 outros selecionados. O grupo formado é diverso, com artistas e não artistas de corpos e tipos os mais diferentes possíveis.
? Não teve análise de currículo, teste, nada disso ? conta ele. ? Fizemos uma convocatória aberta para todos os sexos, as raças e os tipos de gente. E escolhemos mais ou menos um mesmo número de homens e mulheres, pretos e brancos, gays, héteros, trans… Ou seja, buscamos uma abrangência, uma diversidade.
Antes de chegar ao Rio, ?Batucada? passou por cidades da Europa e aportou no Brasil em 2015, em Teresina, cidade natal de Evelin. Definido por ele como uma parada político-alegórica, o trabalho trafega entre o protesto e a festa, e investiga o modo como massas de pessoas se formam e se comportam no espaço público. Não à toa, o projeto começou a ser criado em 2013, pouco antes das manifestações de junho que tomaram as ruas do país. À época, Evelin havia acabado de estrear ?De repente fica tudo preto de gente? (2012) e, com a eclosão dos levantes urbanos ? ?Não só no Brasil, mas no mundo?, diz ?, decidiu expandir sua pesquisa sobre ?formações de massas?.
? O ?Preto…? investigava o modo como as massas se adensavam e se expandiam, era uma pesquisa um pouco mais abstrata, já ?Batucada?? aborda uma massa que tenta se colocar aqui e agora, passando por situações mais cotidianas, como o protesto político, a celebração do samba, o rito da macumba ? diz.
Outra diferença significativa é a quantidade de participantes. ?De repente…? contava com nove performers, enquanto ?Batucada? reúne uma pequena multidão ? resultado do interesse de Evelin em observar como a singularidade do indivíduo se relaciona e se remodela a partir do contato com o coletivo, com as diferenças.
? A ideia era questionar como a gente lida com a opinião contrária, pensar como a gente pode coexistir num espaço em que as pessoas têm diferentes posições sobre arte, política, sexualidade ? explica. ? Trata-se, portanto, de um grupo que não é um coletivo de acordo, formado por identificações entre as pessoas. É uma massa composta de diferenças.
?Batucada? se desenvolve a partir da mistura de signos de indignação, transgressão e celebração. A dinâmica do trabalho é explosiva, expansiva, e pode ser observada, também, como uma reação a forças opressivas investigadas por Evelin na performance ?Nenhuma novidade a esse respeito?, apresentada no Rio em 2014. Apesar de aglutinar tais energias, de liberação e de rebelião, ?Batucada? situa-se num momento ?anterior ao de ir para fora, para as ruas?, diz Evelin.
? É uma batucada que ainda não consegue sair, o momento que antecede o ato de ir para a rua sabendo o que se quer ? ressalta. ? É o momento de lidar com a complexidade da situação, enfrentá-la, abrir discussões, se juntar.
Assim, em vez de bater panelas como um ato de repúdio ao outro, o panelaço de Evelin é um convite à mistura, um engajamento ?mais amoroso?, diz ele, que preenche o amplo espaço de apresentação no MAR com inúmeros balões em forma de coração.
? O que paira no ar é uma potência amorosa ? diz. ? Acreditamos que o amor, sim, é uma combustão potente.
Serviço ? ?Batucada?
Onde: MAR ? Praça Mauá 5, Centro (3031-2741).
Quando: Hoje e amanhã, às 19h.
Quanto: Grátis (senhas a partir das 18h).
Classificação: 18 anos.