BRASÍLIA ? A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) já declarou voto a favor da aceitação da denúncia contra o presidente da Câmara afastado, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), por manter ilegalmente contas secretas na Suíça. A Corte continua deliberando sobre a denúncia apresentada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Cunha é acusado de corrupção passiva, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e omissão ou declaração falsa em documento eleitoral.
Relator do caso, Teori Zavascki votou pelo recebimento da denúncia. Os ministros Marco Aurélio Mello, Dias Toffoli, Edson Fachin, Rosa Weber e Cármen Lúcia acompanharam o relator pelo acolhimento.
Para o relator, há elementos suficientes na investigação comprovando que o parlamentar era o verdadeiro dono de contas na Suíça não declaradas. Essas contas teriam escondido R$ 5,28 milhões, recebidos pelo deputado a título de propina.
? No caso das contas utilizadas pelo acusado, os indícios colhidos apontam que elas de fato pertenciam a ele e tinham como razão de existir a real intenção de manter o anonimato com relação à titularidade dos valores ? disse Teori, concluindo: ? Os documentos comprovam que Eduardo Cunha possui a titularidade das contas, ou seja, é o verdadeiro beneficiário das contas.
Segundo as investigações, a propina paga a Cunha foi dinheiro desviado da Petrobras no contrato de aquisição de um campo de exploração de petróleo em Benin. Os recursos foram mantidos em contas secretas na Suíça e custeou artigos de luxo para o deputado, a mulher dele, Cláudia Cruz, e uma de suas filhas, Danielle Cunha. A defesa alegou que o dinheiro não precisava ter sido declarado às autoridades brasileiras, porque estava em nome de trustes. Mas Teori refutou o argumento, alegando que Cunha era o dono do dinheiro ? portanto, teria a obrigação de declarar ao Banco Central e à Receita Federal.
Segundo a PGR, Cunha recebeu a propina em troca do apoio para a nomeação de Jorge Zelada para uma diretoria da Petrobras. Teori se convenceu da tese apresentada na denúncia.
? Os elementos colhidos conformam o possível cometimento do crime de corrupção passiva por parte do acusado, ao se incorporar em engrenagem espúria protagonizada por Jorge Luiz zelada, se fazendo dela beneficiado ? declarou o ministro.
Antes do voto do relator, os ministros rejeitaram as preliminares apresentadas pela advogada de Cunha. Teori afirmou que não há impedimento para a utilização de provas produzidas no exterior.Apenas o ministro Marco Aurélio Mello acolheu um pedido da defesa e divergiu da opinião do relator sobre a tradução dos documentos enviados pela Suíça. Ele pontuou que não havia problema em usar a documentação, desde que ela estivesse traduzida. Os demais ministros não concordaram com o argumento.
? Se trata de um crime que teria sido praticado a partir do Brasil, previsto na legislação brasileira ? afirmou Teori.
Cunha é um dos investigados na Lava-Jato com mais processos abertos no STF. Ele responde a uma ação penal e quatro inquéritos. Existe também um pedido de abertura de inquérito feito por Janot que ainda não foi decidido pelo relator, o ministro Teori Zavascki.
Além disso, o procurador-geral também pediu a prisão de Cunha ao tribunal. No mês passado, o STF afastou Cunha do mandato parlamentar e do cargo de presidente da Câmara por suspeita de usar sua posição em benefício próprio. Em seguida, Janot pediu a prisão porque, segundo ele, mesmo com a decisão do tribunal, Cunha continuou usando o mandato parlamentar em benefício próprio. Antes de decidir, Teori deu prazo de cinco dias para a defesa se manifestar.
JANOT: PROVAS COMPROVAM QUE CONTA PERTENCE A CUNHA
Em sua manifestação, Janot afirmou que o parlamentar “ocultou e dissimulou” a propriedade de contas na Suíça. Cunha também é alvo de processo de cassação na Câmara dos Deputados por ter dito à CPI da Petrobras não possuir nenhuma conta no exterior.
Janot lembrou que as investigações foram conduzidas inicialmente pelo Ministério Público da Suíça, que descobriu o dinheiro da propina depositado em contas secretas. Em seguida, as apurações foram transferidas para o Brasil. Janot reafirmou que há provas contundentes de que as contas eram de titularidade do parlamentar e o dinheiro depositado pagou contas pessoais dele, da mulher, Cláudia Cruz, e de uma de suas filhas, Danielle Cunha.
? Não há dúvida de que o pagamento de vantagem indevida ao acusado Eduardo Cunha estava relacionado à titularidade do mandato de deputado federal e à influência em razão do mandato e a possibilidade de, caso não fosse pago, exercer pressão no sentido contrário. Está documentalmente provado que as contas são de titularidade do acusado e que a origem dos recursos, ao menos nesse juízo de delibação de recebimento de denúncia, é absolutamente espúria ? declarou.
Segundo Janot, Cunha pediu e recebeu, entre 2010 e 2011, vantagem indevida no valor de aproximadamente R$ 5,28 milhões, segundo conversão a partir do câmbio de fevereiro deste ano. O procurador ressaltou que as quantias movimentadas na Suíça eram totalmente incompatíveis com seu salário de deputado ? à época, R$ 17,7 mil declarados oficialmente. Janot alertou para o fato de que, em apenas quatro dias, o deputado gastou R$ 169,5 mil.
Ainda de acordo com o procurador-geral, Cunha manteve contas na Suíça entre 2008 e 2013, mas não declarou ao Banco Central ou à Receita Federal. O deputado foi denunciado por corrupção passiva majorada (quanto o crime é praticado reiterada vezes), lavagem de dinheiro (que teria cometido por três vezes) e evasão de divisas (14 vezes).
DEFESA: ‘TUDO INDICA QUE HÁ UMA LACUNA NA LEI’
Fernanda Tórtima, advogada de Cunha, argumentou que há uma lacuna na lei beneficiando seu cliente. Segundo ela, não havia obrigação de Eduardo Cunha declarar o dinheiro mantido no exterior, porque ele não estava em seu nome, mas no de trusts. O trust é um tipo de negócio em que terceiros ? instituições financeiras, por exemplo ? passam a administrar os bens do contratante.
? Até a presente data, o Banco Central jamais regularizou a necessidade de declaração de valores titularizados por trusts no exterior. E a defesa insiste que, como há uma transferência do instituidor (Cunha) para o trust, que é realmente quem vai administrar aqueles bens e valores, não haveria necessidade ? sustentou a advogada, concluindo:
? Tudo indica que havia uma lacuna na lei. Mas essa lacuna na lei deve ser interpretada em favor do destinatário da norma, que ao ler as normas do Banco Central até então não poderia imaginar que teria necessidade de declarar valores existentes e titularizados por trusts no exterior.
FAMÍLIA ENROSCADA
O inquérito das contas na Suíça também investigava Claudia Cruz e uma das filhas dele, Danielle Cunha. Mas o trecho das investigações referente às duas foi transferido para o juiz Sérgio Moro, que conduz a Lava-Jato na primeira instância, porque elas não têm direito ao foro privilegiado. Moro já aceitou denúncia contra Claudia, que agora é ré no processo. Cunha deve seguir o mesmo destino na tarde de hoje.
Segundo as investigações, Cunha era titular de três contas na Suíça e a mulher dele, Cláudia Cruz, era titular de outra. Duas das contas de Cunha foram encerradas antes que as autoridades suíças conseguissem bloquear o valor. As outras duas contas tinham saldo de 2,39 milhões de francos suíços e de 176 mil francos suíços. O dinheiro teria sido proveniente de pagamento propina referente a contratos da Petrobras. Com o dinheiro, o casal teria custeado artigos de luxo. Danielle Cunha também teria sido beneficiada com os recursos.
Investigações de procuradores suíços revelaram que as contas de Cunha e da mulher dele receberam mais de R$ 22 milhões nos últimos anos. Desse total, aproximadamente R$ 5,3 milhões teriam sido obtidos com propina paga pelo lobista João Augusto Henriques em retribuição à venda de parte de um campo de petróleo da Companie Beninoise des Hidrocabures Sarl, no Benin, para a Petrobras. Em sua defesa, Cunha alega que nunca recebeu vantagem referente a desvios da Petrobras ou de qualquer outra empresa.
Em outubro do ano passado, Teori determinou a transferência para uma conta judicial no Brasil de 2,5 milhões de francos suíços. O dinheiro estava depositado em nome de Cunha na Suíça e ficará bloqueado em uma conta judicial brasileira. Ao fim do processo, se ficar comprovado que o valor foi obtido de desvios da Petrobras, haverá ressarcimento aos cofres públicos.
?Tem-se como justificada a necessidade da medida requerida, pois efetivamente demonstrada a existência de indícios suficientes de que os valores eram provenientes de atividades criminosas diante da farta documentação apresentada pelo Ministério Público, assim como há o evidente risco de desbloqueio dos valores com a consequente dissipação dos valores, uma vez que houve a formal transferência das investigações pelas autoridade suíças?, escreveu o ministro na época.
Cunha tem percalços não somente na Justiça, mas também no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados. O deputado enfrenta processo de cassação de mandato por quebra do decoro parlamentar. Isso porque ele teria mentido à CPI da Petrobras quando negou ter dinheiro depositado no exterior. Em seguida, surgiram documentos comprovando a titularidade de contas na Suíça. Em sua defesa, ele alegou que não é o titular das contas, apenas o beneficiário delas.
PROCESSOS CONTRA CUNHA NO STF
– Ação penal sobre navios-sonda
Cunha é investigado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Ele teria recebido propina de lobistas de pelo menos US$ 5 milhões. Em troca, ele teria viabilizado o contrato de navios-sonda pela Petrobras.
– Inquérito das contas na Suíça
O deputado já foi denunciado no caso. Ele é suspeito de ter mantido contas secretas na Suíça para receber propina. O dinheiro teria sido usado por ele, a mulher, Cláudia Cruz, e a filha, Danielle Cunha, para comprar itens de luxo.
– Inquérito de Porto Maravilha
O parlamentar também já foi denunciado nessas investigações. Ele teria recebido propina de ao menos US$ 4,68 milhões do consórcio responsável pela construção do Porto Maravilha, no Rio. Em troca, teria viabilizado a liberação de recursos do FGTS para financiar a obra.
– Inquérito sobre a Chaim
O deputado teria ordenado a aliados que apresentassem requerimentos e convocações com o intuito de pressionar donos do grupo Schahin. A pressão teria favorecido o doleiro Lúcio Funaro, amigo de Cunha, em um negócio.
– Inquérito sobre o BTG
Cunha é investigado junto com o dono do banco BTG Pactual, André Esteves. Ambos são suspeitos de ter praticado corrupção ativa, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O caso está protegido pelo segredo de justiça.
– Pedido de abertura de inquérito
A Procuradoria Geral da República quer abrir mais um inquérito contra Cunha para apurar se ele obteve doações em troca de ter beneficiado o empreiteiro Leo Pinheiro com atuação parlamentar.