Cotidiano

Livros escolares do Estado Islâmico apresentam armas às crianças

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MOSUL, Iraque ? A retomada de parte da cidade de Mosul pelas forças iraquianas revelou uma das estratégias usadas pelo Estado Islâmico para passar às futuras gerações o militarismo e a ideologia do grupo terrorista. Num orfanato, que abrigava crianças e adolescentes entre 3 aos 16 anos, foram encontrados livros escolares que mostram como o ethos brutal dos jihadistas era ensinado aos mais jovens.

Um livro de matemática para a quarta série tem na capa o desenho de um fuzil formado por números. Os problemas de aritmética propostos, em vez de laranjas, usam a imagem de armas. Já o livro ?Inglês para o Estado Islâmico? ensina palavras comuns no idioma, como ?apple? (maçã), ao lado de ?sniper? (atirador de elite) e ?bomb? (bomba).

As mulheres são apresentadas como uma figura preta, por causa do véu islâmico. Todos os rostos nos livros, até mesmo de animais, estão borrados, seguindo prescrição islâmica contra essas imagens. O livro de História foca exclusivamente nos primeiros anos do Islã e enfatiza eventos de martírio.

Numa das paredes do orfanato está escrita uma frase atribuída ao profeta Maomé, dizendo para as crianças aprenderem a nadar, atirar e andar a cavalo. Dentro do prédio está uma piscina, agora seca e cheia de entulho.

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Em entrevista à Reuters, um dos funcionários que trabalhavam no orfanato contou que as crianças, a maioria de xiitas ou da minoria yazidi, chegavam à instituição chorando pela família, desaparecida quando o Estado Islâmico tomou a cidade em 2014, mas após algumas semanas começaram a se referir aos parentes como apóstatas.

Os meninos eram separados das meninas e das crianças menores para passarem por treinamento e doutrinação para se tornarem os ?filhos do califado?, uma rede de informantes e combatentes usados pelos jihadistas no apoio a operações militares.

O funcionário, que preferiu não se identificar por medo de represálias, contou que foi coagido a se manter na função após a invasão do Estado Islâmico. Segundo ele, a maioria das meninas trazidas ao orfanato era casada com comandantes do grupo terrorista. Segundo ele, os militantes, quase sempre iraquianos, ensinavam as crianças xiitas como rezarem segundo a tradição sunita, e forçavam a conversão dos yazidis.

As crianças eram forçadas a memorizar o Alcorão, a tratar pessoas de fora da religião como infiéis e a realizar exercícios físicos.

O orfanato recebia não apenas crianças de Mosul, mas de outras cidades iraquianas e até mesmo da Síria. De acordo com os moradores da vizinhança, os garotos mais velhos eram enviados para a cidade de Tel Afar, a oeste de Mosul, para receberem treinamento militar intensivo.

? Após seis meses nos campos, alguns dos garotos retornavam para passar o fim de semana com os irmãos mais novos ? contou o funcionário. ? Eles vestiam uniformes e carregavam armas.

Um dos meninos que passaram pelo orfanato, Mohammed, foi morto no ano passado durante as batalhas na cidade de Faluja, perto de Bagdá. Algumas semanas antes da ofensiva das forças do governo contra Mosul, o Estado Islâmico fechou o orfanato e enviou os garotos para protegerem um aeroporto perto de Tel Afar, que também já foi retomado.

? Eu disse a eles: se vocês virem o exército, larguem as armas e digam que são órfãos. Talvez eles poupem as suas vidas ? disse o funcionário.