Cotidiano

José, o causídico

José Eduardo Cardozo, sofrível criminalista e fantástico tribuno, demonstrou, no naufrágio do natimorto governo Dilma e às vésperas de uma morte anunciada de Lula, que o novo PT pode ter um líder.

Como advogado de Dilma, foi um desastre; como um agitador da militância descamisada, esteve insuperável. Cardozo ocupou a TV Senado de forma competente e profissional, como há muito não se via um orador empolgar espectadores. ?Às favas os escrúpulos? e verdades, como já se disse no passado, porque, no fundo o que interessava era comover multidões.

Nisso José Eduardo Cardozo foi fantástico. Exatamente no nível dos grandes oradores que já passaram pelo Congresso brasileiro. A ética dos seus argumentos não é melhor ou pior do que a de qualquer outro tribuno, seja qual for a cor que o ilumine. Conforme ensina Aristóteles: se as coisas não acontecem como desejamos, deveríamos desejá-las do modo que elas acontecem.

Cardozo não mostrou seus argumentos para os juízes, sejam togados ou eleitos. Juízes não se convencem com gritos ou gestos teatrais. Essa performance se presta unicamente ao aplauso do povo.

Há uma população imensa que espera um líder para aplaudir e que não a assuste com decepções. A infecção generalizada que levou o Partido dos Trabalhadores a uma septicemia moral, quando sustada, precisa encontrar um órgão sadio para reorganizar todo o organismo.

José Eduardo é um professor de Direito Constitucional que, por formação, diferente de Lula, não pode glamourizar a ignorância como virtude para o sucesso. Homem de formação marxista, soube fazer a crítica ao leninismo ainda cedo e, sobretudo, dentro do PT, sempre se opôs às alianças que cercavam o lúmpen de alguns grupos sindicais. Muito cedo, comprou uma briga com Lula, que lhe vale até hoje um inimigo mortal. Em 1997, Cardozo fez parte de comissão reservada do PT para investigar o caso da Consultoria para Empresas e Municípios, com sede em São Bernardo do Campo, no primeiro escândalo de corrupção do PT.

Essa consultoria teria sido contratada sem concorrência por prefeitos petistas para desviar verbas públicas e depositá-las nos cofres do PT.

Cardozo trabalhou em conjunto com Hélio Bicudo e Paul Singer e recomendou que o advogado Roberto Teixeira, dono da Consultoria e padrinho de um dos filhos de Lula, fosse submetido a uma comissão de ética.

Lula e Roberto Teixeira até hoje não dão paz a José Eduardo.

Será muito difícil conquistar a coroa real do Partido dos Trabalhadores, na qualidade de inimigo de Lula. Nada é impossível, porém, a quem sabe manejar com habilidade as torneiras de oxigênio de um paciente sem ar. Lula vai precisar de Cardozo nos próximos tempos, bem mais como negociador do que como criminalista.

Fora as muitas e matreiras pedaladas profissionais que José Eduardo já deu, protegido pelas normas e ética de sua própria ordem, nada pesa em sua biografia que o incapacite de buscar soluções anestésicas para Lula. Há uma medalha de ouro em seu peito que pode exibir sempre que defender os malfeitores acusados pelo juiz Sérgio Moro: enquanto foi ministro da Justiça, nunca permitiu interferências na Polícia Federal ou na Operação Lava-Jato.

Cardozo criou fama de combater ladrões na política. Fez carreira contra a Máfia dos Fiscais em São Paulo, foi um severo secretário de Administração da prefeita Luiza Erundina e não largou a vida de Celso Pitta enquanto não conseguiu um impeachment por denúncias de corrupção.

Com tamanha folha de serviços, se herdar o PT, terá muito com o que se preocupar e agir.

Ronald de Carvalho é assessor especial do governo de Brasília