RIO ? Sem papas na língua, o cantor e compositor Jay Vaquer dispara: “no meu trabalho, eu tenho que matar mais do que um leão por dia. Eu tenho que passear na jaula com os leões com fome diariamente para sobreviver”. A frase aparece ao ser questionado sobre qual seria o exílio citado no título de seu oitavo disco, “Canções de exílio”, lançado no início de junho.
? Nasci no Rio, vivo aqui, existe um filtro artístico que parte daqui. Eu percebo o mundo a partir daqui, das coisas que me deixam aflito, indignado, ou até emocionado de uma forma geral. Tudo o que me instiga, me provoca, tudo o que conduz a minha necessidade de expressão artística parte aqui do Rio de Janeiro. E, no entanto, de uma forma paradoxal, irônica, eu me sinto absolutamente sem condições de estar inserido neste mercado. Embora que eu seja absolutamente brasileiro, eu não consigo me inserir.
O músico, então, detalha um pouco melhor seu desabafo:
? Na hora em que eu vou tentar botar uma música minha na rádio de MPB, os caras falam “não, tem muita guitarra, é muito jovem”. Aí eu vou para a rádio jovem e falam “tem muita letra, está muito complexo, está muito hermético”. Está nada! Eles estão subestimando o público, de um modo geral. Então, eu me sinto a margem do mercado e num exílio domiciliar. Aqui é minha casa, eu sou daqui, mas ao mesmo tempo no meu trabalho eu tenho que matar mais do que um leão por dia. Eu tenho que passear na jaula com os leões com fome diariamente para sobreviver. E não é fácil sobreviver e perdurar nesse mercado.
Em seu novo trabalho, Jay Vaquer volta a apostar em reflexões irônicas do cotidiano, como quando canta “faz a merda da selfie sorrindo” na faixa de abertura, “Quantos tantos”, ou alfineta em “Boneco de vodu” que “na numerologia, piroca com H é mais legal”. Vale ressaltar que os versão não são exatamente de Vaquer, e, sim, de ?Dominus Poscriptu? (“Senhor exilado”, em latim), o alterego que apresenta no álbum.
Produzido por Moogie Canazio, brasileiro radicado em Los Angeles há décadas, “Canções de exílio” conta com participações do produtor de música eletrônica Gui Boratto, dos guitarristas Lucas Silveira (Fresno) e Rafael Moreira, da cantora Megh Stock, entre outras.
E já surge com uma chancela no mínimo inesperada: instigado por Canazio, Steven Tyler, do Aerosmith, ouviu a faixa “Hematomas da teima” no estúdio, e ficou impressionado.
? Ele adorou. Perguntou: “cara, o que está dizendo essa letra? Que coisa mais linda, que arranjo, que puta som! Como é esse cara lá? Ele é estourado no Brasil?”. Quando o Moogie disse que mal me conhecem aqui, o Steven replicou com “Que absurdo!”. Agora, eu comentei isso no meu Facebook e os caras já pegaram e transformaram em manchete de release. Me deu certa vergonha. Acho meio coió fazer isso. Tipo os caras que vão lançar disco, masterizam com alguém que trabalhou com a Madonna e isso vira notícia. Tipo, foda-se. So what? Mas não deixa de ser uma chancela bacana de um cara icônico.
Jay Vaquer lança “Canções de exílio” no próximo dia 22, no Vivo Rio. Por telefone (pelo WhatsApp, para ser mais exato), enquanto buscava o filho no colégio, o músico falou ainda sobre seu sonho de botar a peça “Cem miligramas” (previamente chamada de “Cinza”) em cartaz, sobre a cena do rock nacional (“vejo muita gente que faz sertanejo ou pagode camuflado de rock”) e , claro, o disco. Disco do Jay Vaquer
Logo na primeira música do novo disco, “Quantos tantos”, você solta um “faz a merda da selfie sorrindo”. A geração selfie é algo que te incomoda?
Eu acho que há excessos. De vez em quando, a gente vê umas coisas desnecessárias, uma exposição de intimidade excessiva, umas coisas forçadas. E, naturalmente, a maior parte é realmente fakeada, como diz a canção. Claro que ali no eu lírico eu não me excluo dessas. “Mais um e são tantos”, mais um pode ser eu. Se entrar no meu Instagram, tem selfie. Neste fim de semana, eu fui na Fundição Progresso ser jurado do WebFest Valda, e publiquei uma foto com o público atrás, dizendo que estava lá. Era uma selfie. É meio que inevitável, isso já está incorporado. Só acho que há excessos. E aí o que eu sinto sobre isso, o que me provoca, é que justifica a canção.
Bom, nesta quarta temos o Dia Mundial do Rock, e, nesse disco, você tem parceria com o Gui Boratto, que é um nome forte da música eletrônica nacional. O diálogo com outras sonoridades é o escape possível para o rock estar se renovando?
O Gui é meu amigo e eu trabalho com ele desde meu primeiro CD, “Nem tão são”. Depois disso, pelo menos mais umas quatro vezes, em discos diferentes, tem o Gui participando. Ele é tipo um amuleto. Não é uma parceria exatamente, não é uma composição nossa. Ele entrou mais trabalhando nas texturas e no arranjo. Foi uma parceria mais nesse sentido, e menos no sentido de melodia, harmonia e letra. E, sim, eu adoro experimentar, adoro me arriscar, acho que as canções pedem. As canções têm voz e temos que estar atentos, ouvir o que elas estão pedindo. Eu vou em busca disso sempre.Não tenho nada muito arquitetado, de te tentar me renovar de forma artificial. É uma coisa da minha necessidade, do meu jeito de ser, da minha expressão artística.
Aliás, aproveitando a data, muito se fala de uma crise criativa e de popularidade no gênero no país. Como você vê essa cena hoje? Acompanha as novas gerações?
Acho interessante observar que uma ferramente importante pro cenário do rock hoje está, de uma maneira até engraçada, no “SuperStar”, naquele programa da Globo. Quantas bandas de rock não ganharam uma projeção a partir do “SuperStar”? Várias, inúmeras. O Scalene, o Suricato etc e tal. Não está fácil, mas, ao mesmo tempo, está fértil. Tem muita porcaria, mas tem muita coisa boa, tem muita coisa que não é rock… Acho que rock não é só o som, o arranjo, mas também o discurso, a atitude, o que está na letra… Eu vejo muito “rock” com letra de pagode, de sertanejo. Tem muita gente que faz sertanejo camuflado de rock, né. Tem muito isso por aí para tentar entrar na rádio. Enfim, eu gosto de coisas autênticas, verdadeiras, e tem coisa bacana rolando, muita gente boa na luta, na raça. Tem gente mais bem colocada no mercado, como a Pitty, tem gente que não está tão bem no mercado e está aí produzindo há um tempo, trazendo coisas boas, como a banda Medulla, por exemplo. Tem os medalhões que vêm dos anos 1980 e resistem bravamente, alguns indo muito bem e outros nem tanto. Não é o melhor momento do mundo pro rock no mercado, mas o rock sempre vai existir. Acho que o meu trabalho é predominantemente roqueiro, sobretudo de letra, atitude, discurso, mas ele não se restringe ao rock, ele abrange diversos gêneros.
Falando um pouco mais de “Canções de exílio”, de que exílio você fala no título?
Você pode estar exilado de uma forma forçada ou de uma forma voluntária. E o exílio também é o lugar onde habita o exilado. Eu me sinto absolutamente muito brasileiro, muito carioca. Nasci aqui, vivo aqui, existe um filtro artístico que parte daqui. Eu percebo o mundo a partir daqui, das coisas que me deixam aflito, indignado, ou até emocionado de uma forma geral. Tudo o que me instiga, me provoca, conduz a minha necessidade de expressão artística parte aqui do Rio de Janeiro. E, no entanto, de uma forma paradoxal, irônica, eu me sinto absolutamente sem condições de estar inserido neste mercado. Embora eu seja absolutamente brasileiro, eu não caibo exatamente, eu não consigo me inserir. Na hora em que eu vou tentar botar uma música minha na rádio de MPB, os caras falam “não, tem muita guitarra, é muito jovem”. Aí eu vou para a rádio jovem e falam “tem muita letra, está muito complexo, está muito hermético”. Está nada! Eles estão subestimando o público, de um modo geral. Então, eu me sinto a margem do mercado e num exílio domiciliar. Aqui é minha casa, eu sou daqui, mas ao mesmo tempo, no meu trabalho, eu tenho que matar mais do que um leão por dia. Tenho que passear na jaula com os leões com fome diariamente para sobreviver. E não é fácil sobreviver e perdurar nesse mercado. Vai por aí. São canções de um balaio com características que “justificam”, que explicam essa sensação que eu tenho do exílio.
Aliás, é a primeira vez que você usa um alter ego no processo de composição de um disco?
Eu já usei alter ego no segundo disco, “Vendo a mim mesmo”. Tem um cara lá que é o Apple White, que está no meu clipe “Pode agradecer (Relatioshit)”. Ele é um guru que tem umas fanáticas, umas devotas, e ele promove um ritual suicida e promete o paraíso. Então, esse cara até hoje aparece nos meus shows, o Apple White. E agora temos o Dominus Poscriptu. Jay Vaquer – Pode Agradecer [Oficial HD]
Como esse disco se coloca em sua discografia? O que você tentou trazer de diferente em relação a “Umbigobunker!?”
Entre o “Umbigobunker!?” e o “Canções de exílio” há ainda outro disco, o “Antes da chuva chegar”, que é um projeto paralelo que se chama Transversões em que eu me aproprio de um compositor, onde eu vislumbro ali uma chance de imprimir minha identidade através das harmonias, texturas e timbres. Eu fiz isso com o Guilherme Arantes em 2013. Mas, assim, o que eu sinto, não só com o “Umbigobunker!?”, mas com relação aos outros todos é que cada disco é como se fosse uma foto, sabe?, do momento. É uma foto do momento. Quando você pega uma foto sua do ano 2005, sei lá, você vai olhar para aquilo e vai falar “puta, que maneiro, que saudades daquilo”, ou pode falar “porra, que cabelinho é esse que eu usava, que roupa é essa?”. É meio isso com os meus discos. Quando eu olho em retrospectiva, com esse distanciamento cronológico, olho pra minha obra, pra trás, e o que eu tenho é uma fotografia. “Meu Deus, você não fez isso!” ou “Que incrível, que maneiro”. Mas há uma coerência muito grande. Do primeiro disco até agora, há uma coerência. É o mesmo artista. Agora, é claro que eu amadureci, mas é um retrato de agora, do que eu preciso expressar hoje, influenciado e impactado por tudo o que consumo o tempo todo. As coisas que observo, que me atingem, que me emocionam… O processo é muito sincero, verdadeiro, e só depois eu vou descobrir qual é essa mudança.
O que você quis dizer com o verso “na numerologia piroca com H é mais legal”? “Boneco de vodu” é uma crítica direta a esse lance de associarmos astrologia a tudo?
Também tem essa crítica, sim, eu estou espetando muita coisa. O vodu está espetando muita coisa ali. É claro que eu estou cantando “eu não uso fitinha do Senhor do Bonfim”, mas é um personagem, né. Ali, tem muita coisa minha, sim, mas tem muita coisa que não é. É um personagem que fala aquelas coisas e que, no final, ainda manda “talvez eu fique de branco no revéillon”. A gente não sabe se ele está debochando mais uma vez ou se está falando sério, contradizendo tudo o que disse até aquele momento da canção. Eu brinco muito com isso, procuro provocar as pessoas. “Mas estão você realmente acha isso, Jay?”; “qual é a sua religião?”; “qual é o seu credo?”; “como assim você vai falar que no emissário há uma oferenda diária para Iemanjá? Que absurdo”! E eu falo “cara, é um personagem falando isso”.
Entre “Umbigobunker!?” e “Canções de exílio” você fez o musical “Cinza”, que acabou virando “Cem miligramas”. Como você avalia essa imersão no teatro?
O “Cem miligramas” ainda é um processo que não estreou, né. Eu fiz uns “try outs” do “Cinza”, em 2015, lá no Oi Casa Grande, e foi muito importante. É uma paixão que eu tenho pelo teatro, adoro. Inclusive, vou deixar meu filho agora em casa e correr para a Barra para uma leitura numa produtora, já com o elenco novo e já começando no estágio embrionário para colocá-lo em cartaz. O lugar dele é no palco. E eu vou colocar. Eu tenho muito prazer com isso. É claro que preciso pagar minhas contas e não vai ser com isso. Infelizmente, não tenho nem lei de incentivo aprovada e muito menos para captar, não tenho nenhum patrocínio, nada disso. Mas eu tenho uma paixão muito grande e vou realizar na raça. Aliás, minha trajetória tem sido muito assim, na raça. Investindo o que eu não tenho para poder ir adiante. Eu tenho formação em teatro e fui protagonista de um musical que é meio seminal. Fiquei em cartaz no saudoso Canecão com “Cazas de Cazuza”. Ou seja, não estou querendo pegar carona nenhuma. Eu tenho paixão por isso.
Me fala um pouco mais sobre a história do Steven Tyler? Ele ouviu o disco todo ou só algumas faixas? O que exatamente ele te falou? Ou, se não falou diretamente, o que te foi passado?
O Moogie foi o produtor desse disco. Aliás, foi a terceira vez que eu trabalho com ele. A primeira foi “Alive in Brazil”, que virou DVD, a segunda foi “Umbigobunker!?” e agora essa. Ele mora lá. É brasileiro, mas radicado em Los Angeles há 30 anos, e trabalha muito por lá, com diversos projetos interessantes nos grandes estúdios. Agora, por exemplo, está gravando o Nathan East, que é um puta baixista. O Moogie é muito respeitado, muito requisitado. Estava lá no estúdio e o Steven Tyler passou. Moogie chamou a turma para apresentar um som e mostrou a música “Hematomas da teima”, no estúdio. E o Steven Tyler adorou. Disse “cara, o que está dizendo essa letra? Que coisa mais linda, que arranjo, que puta som! Como é esse cara lá? Ele é estourado no Brasil?”. Quando o Moogie disse que mal me conhecem aqui o Steven replicou com “Que absurdo!”. Claro que a torcida do Moogie e a minha também era que ele falasse “vou gravar isso, vou traduzir!”, aí eu estava feito, né, cara. O cara gravando uma música minha… Eu estaria feliz da vida e resolvido financeiramente por algum tempo. Mas só o que ele me disse já me deixou super feliz, né. Um cara icônico, tem uma história linda no rock, ao reconhecer valor ali é minimamente um sinal de que estou num caminho legal. Agora, eu comentei isso no meu Facebook e os caras já pegaram e transformaram em manchete de release. Me deu certa vergonha. Acho meio coió fazer isso. Tipo os caras que vão lançar disco, masterizam com alguém que trabalhou com a Madonna e isso vira notícia. Tipo, foda-se. So what? Mas aí eu acho uma chancela bacana de um cara icônico.
Ele vem para o Brasil nos próximos meses para turnê com o Aerosmith. Pretende tentar algum contato?
Não tenho relação nenhuma, nunca vi esse cara (risos). Quem dera. O máximo que eu posso fazer é ficar lá na grade gritando “oi, sou eu, o cara da música que você gostou”, jogo o CD no pé dele… É o máximo. Imagina (risos).
Por que a escolha do Vivo Rio, uma casa de médio/grande porte no Rio, como palco para a estreia do disco? A forte base de fãs que você criou ao longo da carreira te dá segurança para escolher um Vivo Rio e não o Circo, por exemplo?
Eu já fiz o Vivo Rio umas quatro vezes, sozinho, de pista, então não vai ser a primeira vez. Inclusive meu DVD, o “Alive Brazil”, foi gravado lá. Você vai ver no DVD uma pista cheia de gente cantando todas as músicas. Então, existe esse público. É claro que estamos em um momento difícil, de crise, aquela história de sempre. Crise que acaba quando tem show do Fifth Harmony, mas tem a crise (risos). Mas eu não me arrependo, não, acho que é o lugar adequado, porque um show lá reverbera bem, inclusive para contratantes Brasil afora. Daqui a três meses eu posso fazer com os pés nas costas um Rival, mas o Vivo Rio tem mídia legal, consegue spot, consegue tijolos nos jornais, atrai o interesse e o olhar de muita gente…
Mas, assim, é claro que não estou nas condições ideais de fazer show lá. Estou a margem do mercado pra cacete… Tem artista que vai fazer o Rival, que é 10% da capacidade do Vivo Rio, e para isso cumpre uma extensa agenda de divulgação. Gente que tem mais público que eu. Passa pelo “Estúdio I”, pela Lêda Nagle, pelo RJTV, pelo Altas Horas, pela Fátima Bernardes… Não é o meu caso. Eu não tenho absolutamente nada, mas tenho uma base de fãs que é fiel, interessada, e estou confiante. Não tenho a expectativa de achar uma casa lotada, nada disso, mas uma casa bonita, legal, um som bom que eles têm…
SERVIÇO
Jay Vaquer
Onde: Vivo Rio – Avenida Infante D. Henrique, 85, Flamengo (2272-2901).
Quando: Sexta-feira, dia 22, às 22h.
Quanto: De R$ 100 a R$ 220.
Classificação: 16 anos.