BRASÍLIA – Depois de publicar por determinação judicial o cadastro de empregadores flagrados com mão-de-obra em condição análoga à escravidão, conhecido como lista suja do trabalho escravo, o Ministério do Trabalho retirou 17 nomes dos 85 inicialmente divulgados. A justificativa é que a primeira listagem continha ?empresas cujos processos ainda são passíveis de recurso?. Uma análise do GLOBO sobre os procedimentos no site da Coordenação Geral de Recursos da pasta, porém, mostra que pelo menos 14 deles já constam como finalizados com a infração mantida.
Desses 14 empregadores, cinco já até pagaram multa e por isso o processo administrativo aparece como ?arquivado? – o que não os isenta de constar da lista suja pelas regras da portaria que rege o cadastro – e nove tiveram suas infrações remetidas à Procuradoria da Fazenda Nacional para cobrança porque, diante de uma decisão irrecorrível, não quitaram o débito. Nos demais três casos, embora o status do procedimento varie, estão esgotadas as possibilidades de apresentar recursos.
Um desses casos é o da União Agropecuária, que apresentou os dois recursos administrativos cabíveis contra o auto de infração lavrado por fiscais do Trabalho por submissão à condição análoga à de escravo, mas ambos foram negados. Em dezembro passado, segundo o trâmite disponível, a “decisão de última instância” foi publicada e remetida por carta registrada à empresa, que a recebeu no início deste ano.
Já a RM Empreiteira e Locadora perdeu o prazo para recorrer. E o empregador José Ronan Martins, outro que teve o nome retirado da lista, apresentou recurso fora do período cabível, que acabou negado. O cadastro reúne empresas e pessoas físicas que receberam autos de infração por auditores do Trabalho, por submeter empregados à condição análoga à de escravo, após o fim do processo administrativo.
Na Coordenação Geral de Recursos do Ministério do Trabalho, aparecem como arquivados, ou seja, finalizados, com manutenção da punição, os procedimentos contra os empregadores Citrosuco, Nelson Slaviero, Gaspar Souza, José Cazelato e Sebastião Honório Pedroso. Mesmo assim, eles tiveram o nome retirado da lista suja.
Foram remetidos à Fazenda Pública, também com descrição de trâmite que aponta fim da possibilidade de recorrer, as infrações contra Lanches Servverde, Paulo Afonso, Sergio Roberto de Lima Dias, Juarez Antonio Arantes, Eder Murilo Antunes Ruas Costa, Guilherme Martins Proença, Manoel Loes Lourino, Manoel Hames e Odilon Ferreira Garcia.
As instalações onde foram flagradas condições análogas à escravidão ficam em São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina, Pará, Tocantins, Rio de Janeiro, Amapá, Paraná e Goiás. Há fazendas, carvoaria, embarcação e empresas de construção entre os 17 nomes que retirados do cadastro pelo governo poucas horas depois de divulgado, na última quinta-feira.
O Ministério Público do Trabalho (MPT) pediu formalmente ao Ministério do Trabalho explicações sobre a retirada dos nomes da lista suja. Para o procurador Tiago Muniz Cavalcanti, coordenador nacional de erradicação do trabalho escravo do MPT, não há razões para a exclusão dos empregadores, tendo em vista que as regras para a inserção no cadastro foram cumpridas. Ele aguardará a resposta da pasta antes de tomar alguma medida.
A lista suja do trabalho escravo ficou por mais de dois anos sem ser publicada, depois de ser questionada na Justiça. Porém, mesmo depois de liberada, o atual ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, decidiu não divulgar os nomes alegando insegurança jurídica para as empresas e formou um grupo de trabalho, ainda em andamento, para criar novas regras para o cadastro. O Ministério Público do Trabalho (MPT) entrou com uma ação para forçar a publicização.
Após uma guerra de liminares, prevaleceu a sentença de um juiz do Trabalho, que determinou a divulgação da lista “com a inclusão de todos os administrados que detenham contra si decisão administrativa final (?) decorrente de exploração de trabalho análogo ao de escravo desde a data de 1º de julho de 2014, conforme requerido”. Todos os incluídos na lista atendem ao recorte temporal feito pelo juiz.
Procurado pelo GLOBO para explicar o motivo da retirada dos nomes da lista mesmo com os trâmites dos autos de infração indicando que os processos estão finalizados, o Ministério do Trabalho manteve, na tarde de segunda-feira, a posição dada anteriormente ao questionamento: “Infelizmente devido a um erro, foi disponibilizada uma lista que continha nomes de empresas cujos processos ainda são passíveis de recurso. Desta forma, tão logo isso foi percebido, ela foi retificada”.
Na manhã desta terça-feira, a pasta disse que a área jurídica estava elaborando uma resposta para explicar a retirada das empresas da lista. À tarde, a assessoria da imprensa informou que toda a lista passava por um pente-fino para verificar eventuais decisões judiciais contra a publicação, mas que não poderia formalizar a resposta explicando melhor por causa de um problema nos computadores, nem poderia usar formas alternativas, como aplicativo de mensagem, outra caixa de e-mail ou mesmo ditando a justificativa por telefone. E que, por isso, a resposta anterior deveria ser considerada. Ou seja, de que houve erro na inclusão porque os processos das 17 empresas ainda são passíveis de recursos.
Segundo apurou o GLOBO, antes da publicação da lista de 85 nomes, na última quinta-feira, já havia sido feita a checagem pela área técnica do ministério para verificar se alguma decisão judicial, naquele momento, impedia a divulgação de cada um dos incluídos. Isso é praxe para todos os empregadores pessoa física ou jurídica que serão inseridos no cadastro. Segundo as normas vigentes, o Ministério do Trabalho tem que publicar a lista no mínimo semestralmente.