Cotidiano

Felipe Monteiro, professor: 'O brasileiro ainda tem um caráter insular'

201607280026304970.jpg “Sou carioca, minha esposa é argentina, e vivi no Rio até 2002, quando comecei a trabalhar na Harvard Business School. Fiz doutorado na London Business School, na Inglaterra, onde tive dois filhos. Fui trabalhar na Universidade da Pensilvânia, e há quatro anos moro em Fontainebleau (França). Toda essa mistura de culturas me faz muito bem.”

Conte algo que não sei.

Eu estudo inovação. E quando você pensa em inovação, descobre que o Brasil é uma ilha, por mais contraintuitivo que pareça. Quando você olha os padrões de como o país está conectado, em termos de inovação e internacionalização, o brasileiro ainda tem um caráter muito insular. É curioso constatar isso quando olhamos para um país desse tamanho, mas é a verdade.

É contraditório, pois se trata de uma das maiores economias do mundo.

Com certeza, principalmente quando pegamos indicadores como o tamanho do país e da economia. O quanto o Brasil está conectado quando se pensa em inovação? O quanto as empresas daqui estão fazendo inovação com as de fora? O quanto cientistas daqui estão em contato com os do exterior? É muito desproporcional ao que poderíamos estar fazendo.

E em comparação a outros países do BRICS?

Se você pega um país como a China, vê o quanto a economia deles está voltada para fora. Temos produtos chineses em qualquer lugar do mundo. As empresas chinesas estão orientadas para o mercado externo. É parte da mentalidade deles. Tenho um número enorme de alunos chineses, pois há muitos estudantes estrangeiros no exterior, há uma conexão. Se você analisar o padrão de inovação tanto das empresas chinesas quanto das indianas, elas são muito mais conectadas, estão fazendo muito mais colaborações, e estão muito mais abertas ao resto do mundo.

E a fuga de cérebros destes países, não poderia ser um problema para a inovação?

Você pode pensar de duas maneiras: como pode conectar o cérebro que fugiu? Uma maneira é mantê-lo ligado às empresas locais. A outra , que vemos na China e na Índia, é mandar ao exterior esses cérebros, mas oferecer condições atrativas para eles voltarem. Para o Brasil, o primeiro passo é realmente se abrir para o mundo, ainda que os cérebros estejam lá fora, mas mantendo contato com eles. A segunda questão é criar essas condições. Em comparação a Índia e China, ainda temos muito o que fazer.

E no caso das startups e dos novos empreendedores, a crise é uma oportunidade?

O que ouvi por muito tempo foi: ?Por que vou me internacionalizar? Estou crescendo, não preciso?. Hoje, o que se enxerga é que talvez valha a pena já começar com a cabeça mais aberta ao exterior. A natureza desse tipo de negócio é muito mais fácil de se internacionalizar, e o brasileiro ainda precisa mudar essa chave.

Mas têm ocorrido mudanças nessa direção?

O Brasil não tem estado bem nos rankings de inovação, mas, pela primeira vez o país resolveu fazer estudos para diagnosticar por que isso acontece, o que já é um primeiro passo. Se você quer sair da insularidade, você tem que entender como isso ocorre.

Internacionalização e inovação estão relacionados, então…

Uma coisa puxa a outra. Para internacionalizar, é preciso inovar, e quem inova se permite internacionalizar. Se eu sou insular em como me relaciono com o mundo, isso torna insular até o tipo de inovação que se propõe.

O caráter insular do Brasil é mais de dentro para fora do que de fora para dentro?

O Brasil não tem animosidade com o que é externo. O país recebe bem. O que falta é uma ambição externa, de se mostrar mais para o mundo, mas não somos um país xenófobo, ultranacionalista, e, sim, acuado em ambições internacionais.