Mai RIO – O fotógrafo Raul Aragão, de 31 anos, gosta de se apresentar como digital nomad, profissional capaz de executar um trabalho em qualquer lugar no mundo, sem a necessidade de um escritório. Ele adora essa liberdade e não faz cerimônia na hora de incluir um trabalho no meio de uma viagem de lazer. Mas, de uns tempos para cá, achou prudente tirar o pé do acelerador. Afinal, estar conectado ao trabalho o tempo todo pode ser desgastante.
? O profissional liberal não segue mais aquele modelo de fazer MBA e galgar o reconhecimento por uma grande corporação. Muitas vezes, busca-se um sucesso legitimado pelo número de likes, e não por título ou diploma. Se estamos na rua, estamos trabalhando, e se estamos em casa, também ? reflete Aragão, que também é um dos sócios da produtora de conteúdo I Hate Flash.
Apostar nesse estilo de vida tem um preço. Com pessoal e profissional se fundindo de tal modo, Aragão anda maneirando nas redes sociais e selecionando mais os trabalhos para diminuir a carga de estresse. Ele quer se dedicar mais aos amigos e à família.
Pensamentos como o dele permeiam a mente de muitos profissionais, mas nem sempre a solução parece tangível. As ferramentas de comunicação se sofisticaram, o mercado se dinamizou e o trabalho invade cada vez mais a vida pessoal. Estar o tempo todo conectado às tarefas profissionais, porém, não só pode ser contraprodutivo, como levar ao adoecimento.
Luiz Edmundo Prestes Rosa, diretor de desenvolvimento de pessoas da Associação Brasileira de Recursos Humanos, afirma que países com questões trabalhistas mais avançadas já começaram a tomar providências sobre a questão. Ele cita como exemplo a França, onde pesquisas mostram que até 10% dos trabalhadores correm o risco de sofrer um burnout (síndrome relacionada a altos níveis de estresse) e isso acendeu alguns alertas.
? O país tem um projeto de lei que visa limitar a comunicação digital entre empresa e empregados nos horários de descanso ? conta ele, acrescentando que um acordo sindical com companhias de tecnologia já impede a comunicação fora do horário de trabalho, beneficiando 250 mil trabalhadores.
Segundo Rosa, muitas pessoas varam a madrugada respondendo e-mails por medo de perder o emprego. E, num período de crise como este que o Brasil atravessa, a situação fica mais latente. Então, é preciso que as próprias empresas também cuidem disso, já que esse comportamento pode provocar danos aos seus empregados.
? Até porque, se observarmos bem, boa parte do trabalho extra feito dessa maneira poderia ser melhor resolvido se houvesse planejamento e clareza de objetivos no dia a dia da empresa ? observa ele.
FOLGA DOMÉSTICA
O sócio-diretor da Agência A+, Leandro Varges, conhece bem o peso disso. Como ele trabalha com mídias sociais, todos os dias antes de dormir checa e-mails e faz uma ronda nas páginas de seus clientes. Já chegou a ficar uma madrugada inteira tentando resolver um problema. Para aliviar o peso desse estilo de vida, ele tenta estabelecer alguns limites.
? Quando chego em casa, tento ficar até três horas sem checar os aparelhos e aproveitar a família. Depois disso, não tem jeito. Acabo acessando ? conta ele.
O coordenador do Núcleo de Desenvolvimento de Pessoas e Lideranças da Fundação Dom Cabral, Anderson Sant’anna, conta que essa necessidade de estar conectado 24 horas por dia tem nome: presentismo patológico.
? A pessoa acha que precisa responder ao chefe em 30 segundos ? comenta ele. ? Mas os profissionais precisam lembrar que, ao contrário dessa instantaneidade toda, muitas decisões exigem reflexões. E esse comportamento pautado na rapidez é mais suscetível a erros e respostas indevidas.
Para quem se sente pressionado, Sant’anna recomenda um questionamento sobre que é mais importante: a qualidade ou a velocidade do trabalho?
? Se a pessoa foi contratada por sua competência, tem que entender isso e conversar com os gestores sobre os seus limites. Tem que deixar claro qual o papel dela na companhia e fazer com que os demais conheçam e respeitem a sua agenda e os horários em que está disponível ? recomenda ele. ? A alta disponibilidade só faz sentido entre aqueles cujas profissões afetam diretamente a vida de terceiros, como médicos. Fora isso, na maior parte das vezes, é fantasia. Não vai ser por uma ou quatro horas que uma decisão vai mudar o universo.
Também é bom lembrar que, aos olhos da lei, trabalhar à distância nas horas de descanso nada tem a ver com camaradagem. Segundo o advogado Anderson Schreiber, sócio do Schreiber Domingues Cintra Lins e Silva Advogados, o respeito à legislação trabalhista e ao bem-estar do empregado são indispensáveis.
? A Constituição assegura a todos o direito ao lazer. Se a empresa exige que o funcionário responda a e-mails ou telefonemas fora do horário de trabalho, o empregado estará, no mínimo, no chamado ?regime de sobreaviso? e terá que ser remunerado por isso. Ele não estará em repouso porque pode ser chamado a qualquer momento e isso, por si só, descaracteriza o descanso ? afirma Schreiber. ? Além disso, se a companhia abusa dessa prática, exagerando na demanda eletrônica ao empregado, isso pode ocasionar situações de alienação social decorrente do excesso de trabalho, de privação do lazer e outras lesões a direitos fundamentais do empregado.
DIREITOS DO TRABALHADOR
Segundo ele, caso seja uma prática generalizada da companhia, tanto o Ministério do Trabalho quanto o Ministério Público do Trabalho podem ser acionados.
? O empregado também pode pedir ressarcimento não apenas pelo tempo em que ficou à disposição da empresa, de acordo com a legislação trabalhista, mas também pode pedir indenização por eventuais danos morais decorrentes da ausência de repouso pleno, da supressão do lazer e da vida social ? afirma o advogado.