BERLIM – O recém-descoberto diário do líder nazista Heinrich Himmler, um dos principais organizadores do Holocausto, mostra a banalidade e institucionalização dos assassinatos em massa cometidos pela Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial.
Os registros feitos à mão pelo líder das SS, as tropas de elite e polícia secreta da Alemanha Nazista, foram descobertos na Rússia, num esquecido arquivo do Ministério da Defesa. Os cadernos registram os anos de 1938, 1943 e 1944. O jornal alemão Bild está publicando trechos, e historiadores afirmam que publicarão um livro com o material completo e comentários em 2017.
As anotações de Himmler, que se matou em maio de 1945, semanas após ser preso por tropas britânicas, mostram o dia a dia de um dos mais altos líderes da Alemanha Nazista. Como chefe das SS, Himmler é considerado por historiadores como “o arquiteto do Holocausto”: Hitler teve a ideia original da matança das minorias, opositores e judeus, mas Himmler é quem teria planejado os campos de concentração e extermínio.
Banal e assassino
Em 1963, a escritora Hannah Arendt criou a expressão “banalidade do mal” para descrever e tentar explicar as ações do nazista Adolf Eichmann, um dos organizadores do Holocausto. Segundo ela, ele não seria um fanático ou sociopata, mas sim um homem absolutamente comum, cujas ações foram motivadas por promoção pessoal e não lealdade a uma ideologia. A “banalidade” estaria não em suas ações, mas sim em suas motivações: a pura burrice de quem não se importa com algo além de seu avanço pessoal.
Os diários de Himmler mostram outro tipo de banalidade do mal, com registros que tornam ordinárias, quase comuns, ordens de assassinatos em massa e execuções.
Um exemplo: o registro do dia 3 de janeiro de 1943 mostra que Himmler tomou café da manhã tarde, lidou com relatórios, fez uma massagem, falou com a mulher e a filha no telefone e, antes de encerrar os trabalhos do dia, ordena que dez poloneses sejam executados como retaliação pelo ataque de forças da resistência da Polônia à uma delegacia. Ordena também que, já que os policiais não resistiram ao ataque, suas famílias sejam enviadas a campos de concentração.
Outro registro, mostra que, em uma reunião sobre treinamento de soldados, ele teria pedido que as SS treinassem cachorros fortes e ferozes o bastante para partir pessoas ao meio em Auschwitz. Também menciona que foi muito bom o lanche que fez no campo de concentração de Buchenwald.
Em outra ocasião, em 2 de fevereiro de 1943, ele visitou o campo de Sobibor para verificar a eficiência de matar pessoas com gás de motores à diesel. Como a matança do dia já havia ocorrido, Himmler aceitou esperar que 400 mulheres e meninas fossem trazidas da cidade polonesa de Lublin para que ele pudesse ver como elas seria mortas. Na mesma noite ele registra que foi o convidado principal de um “banquete” de oficiais das SS.
Em 4 de outubro de 1943, o diário registra meticulasamente uma reunião denomidada apenas de “encontro dos líderes de grupo” na cidade de Poznan, na Polônia ocupada pelos nazistas. Lá, o líder das SS fez um discurso que registrou na íntegra.
“Nós estamos falando da evacuação dos judeus da Alemanha, do extermínio do povo judeu. É uma dessas coisas que se diz fácilmente. 'O povo judeu está sendo exterminado', qualquer membro do partido diz, 'naturalmente, é parte dos nossos planos, estamos eliminando os judeus, os exterminando, é um assunto pequeno'.
E de repente vem todos, todos os 80 milhões de alemães corretos, e cada um tem um judeu decente. Eles dizem: 'os outros são porcos, mas esse aqui é um judeu de primeira classe'.
Nenhum deles viu, nenhum deles teve que aguentar. A maioria de vocês sabem o que é e o que significa o que estamos fazendo, reconhecem 100 corpos lado a lado, sabem diferenciar quando há 500 ou mil”.
'Animal cheio de contradições'
Para um dos especialistas do Instituto Histórico Alemão, que está analisando os diários, “Himmler é um animal cheio de contradições”.
“Por um lado, é alguém sem piedade, que faz rapidamente decisões de matar dezenas e um dos planejadores do Holocausto. Por outro lado, é um hipócrita que mostra que se importa profundamente com sua família, amigos e a elite dos seus comandados”, disse à imprensa britânica o historiador doutor Matthias Uhl.
Segundo o diretor do órgão, os textos descobertos são muito importantes historicamente pelos detalhes que trazem.
“A importância deles é que conseguimos um entendimento estrutural melhor da última fase da guerra. As informações em si não tem muitos detalhes, mas são tantas que aumenta a imagem completa”, diz o diretor Nikolaus Katzer.