Cotidiano

?Era bem maluquinho?, diz Gil sobre Fidel; leia depoimentos de artistas

Gil_Fidel.jpgRIO – A morte de Fidel Castro impactou artistas como Gilberto Gil. O cantor e compositor baiano relembrou as horas que passou na companhia do ex-presidente de Cuba, no período em que foi Ministro da Cultura do Brasil, entre 2003 e 2008. A cantora Ana de Hollanda, que também foi Ministra da Cultura entre janeiro de 2011 e setembro de 2012, lembrou dos dois encontros que teve com Fidel. O ator Paulo Betti, que esteve com o cubano em 1987, durante um festival de teatro, ficou com uma “impressão dividida” sobre ele. Já a atriz Leandra Leal postou em suas redes sociais uma imagem dela no colo do líder comunista.

Leia abaixou os depoimentos completos:

Gilberto Gil, cantor: “Fidel Castro foi um grande ícone da política internacional. Uma vez em Havana, quando ministro, passei com ele algumas horas. Era bem maluquinho”.

Leandra Leal

Leandra Leal, atriz: “Minha mãe me contava a história da revolução cubana como se fosse uma ficção, e ainda criança já sabia da sua importância. Hoje, mesmo tendo consciência de todas as suas contradições, tenho muita honra de ter conhecido o comandante Fidel Castro”.

Ana de Holanda.jpg

Ana de Hollanda, cantora e compositora: “Para mim, ele fechou uma era: a do idealismo, do sonho de se conseguir um mundo mais justo. Nessa época em que vemos a direita fascista crescendo na Europa, nos Estados Unidos e no Brasil, parece que acabou a missão dele.
Estive com Fidel duas vezes. A primeira foi num festival de teatro em Havana, em 1987. Era todo um esquema para conseguir chegar até ele. Mas, quando conseguimos, ficamos numa roda de conversa até 4h da manhã. Ele gostava de falar, era muito engraçado, divertido. Se papai (o historiador Sérgio Buarque de Hollanda) estivesse vivo, gostaria de ter contado para ele.
A segunda vez foi num outro evento ligado ao teatro, em 1990, em Havana. Também foi uma noite que não terminou. Ele tinha muito carisma, pulava de um assunto para outro sempre com muito humor, deixando as pessoas bem à vontade. Formalidade era só para chegar até ele.
Claro que houve muito erros, impossível acertar tudo, mas o principal ele fez. Não sei quando o mundo vai dar uma outra volta desse tipo”.

Paulo Betti, ator: “Hoje lamento a morte de um grande homem, de um líder carismático. Estive com ele no mesmo festival de teatro de Havana em que esteve Ana de Hollanda, em 1987. Mas fiquei com a impressão dividida, para ser sincero. Apesar de todas suas qualidades e liderança incontestável, me incomodou o fato de seu segundo homem ser o próprio irmão. Será que Cuba não produziu uma liderança forte que não fosse Raúl?
Observo tudo que se refere a ele com muito carinho e afeto, mas ficou aquele incômodo. Estivemos numa festa para 800 pessoas no Palácio da Revolução, com vinhos búlgaros, cascata de camarão, e a situação lá fora já não era boa. E naquela grande festa ainda havia uma área reservada. Parecia uma corte, nunca tinha visto nada tão deslumbrante. No fim, as pessoas pegavam charutos Cohiba e colocavam dentro dos paletós. Ficou aquela preocupação. Não era tão socializado assim”.

Zé Celso Martinez, diretor e dramaturgo: “Fidel foi um líder que contagiou a minha geração. Sartre escreveu “Furacão sobre Cuba”, todo mundo nos anos 60 foi ativado pela ideia da liberação da polaridade da Guerra Fria, da possibilidade de uma revolução intercontinental. Cuba foi uma grande esperança. Depois Fidel foi envelhecendo, ficando este ditador. Mas nem mesmo esta ditadura conseguiu destruir o que se construiu de positivo a partir da revolução, na literatura, no cinema, na música, na medicina…
Sempre fui admirador de Fidel. Depois deixei de ser, ele ficou muito chato. Mas reconheço que eu não seria quem eu sou se não fosse por ele. Estou há 58 anos à frente do Teatro Oficina, mais tempo do que ele no poder (risos). Mas não me tornei um ditador, sou um anarquista.
A minha geração deve muito a este sentido de autonomia de Cuba, o poder de casa pessoa em relação à transformação social. Com todas as suas contradições, Cuba formou pessoas muito autônomas, houve várias faces positivas, na medicina, na educação, na cultura, a santeria. A contribuição foi para a humanidade, não só para o Brasil, para a Índia, para países do dito terceiro mundo. Porque provou que o império norteamericano não era invencível, ele libertou Cuba por muito tempo.
Aquele sentimento tenho até hoje dentro de mim.
Quando cheguei a Cuba em 1968, para um concurso literário, Fidel tinha conseguido conter um golpe na URSS. Nesta época, ele estava bem ligado à ideia de uma revolução intercontinental.
Depois esse delírio, esse sonho foi sendo destruído. A ditadura foi ganhando espaço, Cuba entrou em uma grave crise financeira, o país viveu uma miséria, houve a decadência do bloco soviético, veio o fuzilamento… E a desilusão. Mas se manteve o que foi o esperma fecundador de um movimento de transformação.
A revolução cubana teve muita importância na formação dos jovens de todo o mundo, inclusive para a formação política do Brasil. A revolução não foi um sonho, houve, a partir dela, uma série de movimentos concretos, leis.
Hoje Cuba está destruída, precisa de uma reconstrução. Quero muito que essa transformação aconteça, mas sem que Havana se transforme numa Copacabana ou Barra. Sempre há o medo de que ela se transforme no mercado como era antes. Antes da revolução, Cuba era um bordel dos americanos.
Só voltei para Cuba há dois anos, vi que o regime estava ultrapassado. A morte do Fidel não significa uma grande transformação agora. ele já estava afastado há muito tempo, o irmão dele deve deixar o governo muito em breve. E vai deixar um aparelho já gasto. Com a subida do Trumpo, não se sabe o que vai acontecer. O bloqueio foi uma coisa muito terrível para Cuba. Romper de novo seria uma estupidez”.