Cotidiano

Entenda a crise diplomática entre Turquia e Holanda

65705743_A group of Turks protest outside the Dutch consulate in Istanbul Sunday March 12 2017 Turki.jpg

ROTERDÃ E ISTAMBUL ? Na reta final da campanha para suas eleições legislativas, a Holanda se vê no meio de uma crise diplomática com a Turquia. Tudo começou quando o governo holandês barrou dois ministros do presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, que fariam comícios em seu favor em Roterdã. Desde então, Ancara investe em fortes ataques verbais contra o país europeu, cujo governo Erdogan já chamou de nazista e islamófobo, em uma história de tensão que repercurte na Europa. Entenda aqui mais detalhes sobre a crise diplomática.

O ESTOPIM: No fim de semana, os dois ministros turcos barrados na Holanda liderariam atos de campanha em favor de Erdogan, mirando as cerca de 400 mil pessoas de origem turca que vivem no país. O presidente tenta conquistar os votos da comunidade turca em outras nações para um projeto que pode ampliar seus poderes e mantê-lo no poder até 2029, se aprovado num referendo marcado para 16 de abril.

O chanceler Mevlut Cavusoglu foi proibido de voar a Roterdã; enquanto isso, a ministra turca da Família, Fatma Betul Sayan Kaya, que viajara de carro até a cidade, não pôde entrar no consulado da Turquia e foi escoltada até a fronteira com a Alemanha. Em um caso considerado sem precedentes pelo governo holandês, a ministra ignorou os pedidos de autoridades para não viajar a Roterdã, o que foi classificado por Rutte como inaceitável. A Holanda justificou a decisão dizendo que os comícios elevariam os atritos no país a poucos dias das eleições.

OS ATAQUES: Não demorou para que Erdogan reagisse à proibição da Holanda para seus ministros. O presidente disse que o governo holandês pagaria um alto preço preço pela decisão.

? Eles certamente vão pagar o preço, e também aprender o que é diplomacia. Vamos ensiná-los diplomacia internacional ? afirmou Erdogan num evento em Istambul, pedindo que o embaixador holandês ?não retorne à Turquia por enquanto?.

Mais tarde, o presidente pediu a organizações internacionais que imponham sanções à Holanda, dizendo que o país adota a postura de uma ?república de bananas?.

? Achava que o nazismo tinha acabado, mas estava enganado. O que vimos nos últimos dias são reflexos da islamofobia ? afirmou.

Os ataques criaram mais um problema para o primeiro-ministro holandês, Mark Rutte, que concorre ao terceiro mandato nas eleições de quarta-feira e se vê ameaçado pelo avanço de Wilders. Rutte expressou a intenção de aliviar as tensões, mas defendeu a decisão do seu governo.

? Faremos o possível para uma desescalada da situação ? declarou. ? Mas os turcos devem ajudar, e eles não estão ajudando.

Posteriormente, na segunda-feira, o governo turco anunciou que vai suspender as relações diplomáticas de alto nível com a Holanda, e proibir o embaixador do país em Ancara, que não está na capital, de retornar ao país. E, um dia depois, Erdogan disse que um pedido de desculpas não colocaria fim à crise diplomática, prometendo lutar por sanções contra a Holanda, como vem pedindo repetidamente a organizações internacionais.

OS PROTESTOS: A polícia holandesa afirmou ter prendido no sábado 12 manifestantes pró-Erdogan diante do consulado em Roterdã, por violência e ameaça à ordem pública. Agentes de segurança usaram cassetetes e jatos d?água contra indivíduos que lançavam pedras e garrafas. Sete pessoas ficaram feridas. Já em Istambul, houve protestos neste domingo no consulado holandês, onde a bandeira foi trocada pela turca. O local foi fechado por autoridades, assim como a embaixada holandesa em Ancara.

A CAMPANHA POLÍTICA: A nuvem de tensão que paira sobre as relações diplomáticas com a Turquia acirrou os ânimos na Holanda a apenas três dias das suas eleições legislativas. Na reta final de uma campanha dominada pela discussão sobre a imigração muçulmana e o avanço da extrema-direita, o tema invadiu a campanha política, com o candidato ultranacionalista Geert Wilders lançando mais um ataque anti-imigração, atribuindo a crise entre os dois países, que desencadeou protestos em Roterdã e Istambul, à política de recepção a imigrantes.

?Décadas de fronteiras abertas, imigração maciça, sem integração e com dupla nacionalidade. Está aqui o resultado?, escreveu Wilders, no Twitter. A publicação veio acompanhada da foto de uma mulher que segura a bandeira turca e tira uma selfie em frente ao consulado do país em Amsterdã.

Na tentativa de seduzir os simpatizantes do Partido da Liberdade (PVV) de Wilders, embora em tom ainda mais ameno do que seu rival, Rutte investe numa plataforma a favor do ?respeito aos valores holandeses?, dizendo que é necessário ?adaptar-se ou partir?.

Segundo uma pesquisa publicada no domingo, a legenda de Rutte lidera as intenções de voto e alcançaria o primeiro lugar, com 24 dos 150 assentos na Câmara Baixa ? resultado, no entanto, ainda longe dos 40 lugares de que dispõe na atual legislatura. Na contramão, Wilders perdeu terreno nas últimas semanas, com previsões de que seu partido conquistaria entre 21 e 25 assentos. A sondagem de domingo apontou 22 cadeiras para o PVV, um avanço aos seus atuais 12 parlamentares na Casa.

O EFEITO NA EUROPA: No domingo, a Dinamarca reagiu à crise entre Turquia e Holanda, cancelando uma visita do premier turco, Binali Yildirim, a Copenhague. O governo dinamarquês também expressou grande preocupação com os princípios democráticos sob pressão na Turquia.

? Sob circunstâncias normais, seria um prazer para mim encontrar o primeiro-ministro Yildirim em Copenhague. Mas, com os atuais ataques retóricos pela Turquia contra a Holanda, um novo encontro não pode ser visto isolado disso.

Além disso, no dia seguinte, a escalada de tensões ganhou mais um capítulo, e envolve agora a Alemanha, com riscos de respingar no resto da União Europeia (UE). Erdogan apontou o dedo diretamente para a chanceler federal Angela Merkel, uma vez que, recentemente, duas cidades alemãs também cancelaram comícios pró-Erdogan. Autoridades locais justificaram a decisão alegando riscos de segurança. 65733967_FILES This file photo taken on February 2 2017 shows Turkish President Recep Tayyip Erdogan.jpg

? Senhora Merkel, por que está escondendo terroristas em seu país? Por que não está fazendo nada? A Alemanha está apoiando impiedosamente o terrorismo ? acusou Erdogan, atacando a chanceler alemã.

A resposta foi rápida. Em breve comunicado, o porta-voz de Merkel, Steffen Seibert, considerou ?aberrantes? as acusações do presidente turco.

? A chanceler não tem a intenção de participar deste concurso de provocações ? rebateu.