LONDRES A saída britânica da União Europeia (UE) também pode afetar os brasileiros que vivem no Reino Unido, milhares deles com passaporte europeu e que se beneficiam da livre circulação entre os países do bloco. O primeiro-ministro, David Cameron, ao anunciar que deixará o cargo em outubro, garantiu que por enquanto nada muda para os cidadãos europeus que têm direito a visto de residência e trabalho no país. Novas regras de controle da imigração deverão fazer parte de um longo processo de negociações entre Londres e Bruxelas, ainda cercado de incertezas.
Mas, para brasileiros que moram na capital, o impacto do referendo não se resume a questões imediatas. Numa cidade conhecida por sua diversidade e multiculturalismo, a vitória do Brexit (abreviação de British Exit, que é Saída Britânica em inglês) foi um susto. Para o pesquisador Guilherme Carréra, que faz doutorado em Londres, o resultado do referendo, depois de uma campanha marcada pela forte rejeição à imigração, representa um retrocesso que favorece a extrema-direita.
Viver em Londres nos coloca diariamente em contato com o outro, o novo, o diverso. E nos faz acreditar que essa pluralidade é o caminho. Por outro lado, essa decisão nos impõe uma verdade que fingíamos não ver: Londres não é o Reino Unido. E o Reino Unido, pasmem, é mais conservador do que quem vive em Londres poderia supor. A longo prazo, temo que esse sentimento de derrota dê lugar a projetos políticos ainda mais amargos disse ele.
Katiuscia Funes, que trabalha no setor de limpeza e vive há dez anos em Londres com passaporte italiano, não se sente pressionada a deixar o Reino Unido, mas também teme o futuro.
Minha preocupação é o impacto econômico e uma provável redução da oferta de empregos. Meus filhos nasceram aqui e são cidadãos britânicos. Eu achava que o futuro das crianças seria no Reino Unido. Agora não sei mais disse ela.
Dono de uma empresa de catering no sudoeste de Londres, o paulista Luiz Oliveira, que também tem passaporte da UE, contou que o resultado não chega a ser uma surpresa para ele.
No interior da Inglaterra, é muito grande a insatisfação com o atual governo. Vejo esse voto como um protesto contra Cameron, mas também como uma revolta alimentada por uma campanha contra a imigração que foi baseada em propagandas mentirosas. Passaram a culpar o imigrante por todos os problemas do país, entre eles a crise no serviço de saúde, que já é antiga afirmou o pequeno empresário, que espera uma retração econômica nos próximos meses.
A professora Maria Teresa Pollard trocou o Rio pela Inglaterra há 12 anos. Casada com um inglês, ela queria que os filhos crescessem numa sociedade aberta para o mundo, com justiça social e igualdade. Encontrou o que buscava em Cambridge, cidade que, assim como Londres, votou majoritariamente pela permanência na UE. Mas, agora, diz se sentir traída pela vitória do Brexit.
Foi um voto que contradiz tudo isso. É uma escolha anti-imigração, anticooperação, antimulticulturalismo. O futuro é incerto para minha família, para a escola do meu filho, que é europeia, para os ideais que me fizeram escolher ser britânica. É um dia muito triste resumiu.
A jornalista Suzana Camargo, também moradora de Londres, concorda:
O resultado do referendo me pegou de surpresa esta manhã. Ainda acreditava que os britânicos votariam para ficar na UE. Isso significa que deixaram uma visão mais ampla e a ideia de que, junto a uma comunidade, o país fica mais forte. Numa época em que se fala cada vez mais em economia colaborativa, mais de 50% dos eleitores decidiram seguir um caminho isolado disse.