Cotidiano

Discussões jurídicas emperram repasse da União de R$ 2,9 bi

BRASÍLIA O repasse de R$ 2,9 bilhões da União ao Estado do
Rio já foi acordado e anunciado, mas está emperrado em discussões jurídicas. A
área técnica da Casa Civil alertou o Ministério da Fazenda sobre o risco de o
governo do Rio usar os recursos para o pagamento de funcionários, o que a lei
não permite. Há mais de uma semana, o Palácio do Planalto editou uma medida
provisória autorizando o Tesouro Nacional a fazer uma espécie de doação ao
estado, já que o dinheiro não será ressarcido. Na ocasião, auxiliares do
presidente interino Michel Temer informaram que uma nova medida provisória,
detalhando a liberação, seria publicada até sexta-feira da semana passada, o que
não aconteceu. Procurado, o governador em exercício Francisco Dornelles disse
que não há qualquer problema com a liberação da verba.

O problema agora é amarrar um texto especificando que o dinheiro só poderá
ser usado para despesas correntes, investimentos e custeio do setor de segurança
para a Olimpíada e a Paralimpíada do Rio, excluindo o pagamento de funcionários.
Poderão ser custeados o pagamento de contas de luz, a compra de material e a
manutenção de equipamentos (inclusive abastecimento de veículos). Além de haver
vedação descrita na própria Constituição quanto a isso, a Lei de
Responsabilidade Fiscal também faz a ressalva de que recursos desse tipo não
podem ser usados para quitar folha de pagamento. Crise – 27/06

Auxiliares de Temer afirmam que ele não quer ser responsabilizado por
irregularidades no uso do dinheiro federal. Técnicos do Ministério da Fazenda
chegaram a sugerir que o Ministério da Justiça assuma a tarefa de viabilizar o
repasse, já que os recursos se destinarão especificamente à área de segurança
pública. O assunto foi repassado ao Tribunal de Contas da União, que reprovou as
contas da presidente afastada Dilma Rousseff por causa de pedaladas fiscais. O
governo aguarda manifestação do tribunal para retomar a costura do repasse ao
Rio.

MEDO DE SER ACUSADO DE PEDALADAS

No capítulo sobre orçamento, a Constituição é clara: é proibida ?a
transferência voluntária de recursos e a concessão de empréstimos, inclusive por
antecipação de receita, pelos governos federal e estaduais e suas instituições
financeiras, para pagamento de despesas com pessoal ativo, inativo e
pensionista, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios?. Para a área
jurídica do Planalto, além das vedações previstas em lei, seria injustificável
que a União pagasse funcionários que não são federais. Para quitar seus débitos
com servidores, como hora extra de policiais que trabalharão nos Jogos
Olímpicos, por exemplo, o Rio terá de incorporar o dinheiro federal ao seu
orçamento e remanejar suas contas, tirando dotações de outras áreas.

O temor de ser acusado de pedaladas fiscais (ação que embasa o impeachment de
Dilma) levou a área jurídica da Casa Civil a fazer algo pouco usual, publicando
a MP da semana passada que, na prática, transforma uma despesa voluntária em
despesa obrigatória. Contrariando Dornelles, o apoio financeiro da União é
destinado apenas à segurança pública para a realização da Olimpíada e
Paralimpíada do Rio. Ele queria que o socorro abarcasse também as obras da Linha
4 do metrô.

? O problema não é no mérito. Todo mundo já aceitou que o governo federal
conceda ajuda ao Rio, para que a Olimpíada e a Paralimpíada aconteçam sem
sobressaltos. Mas nem o Temer, nem o Henrique Meirelles (ministro da Fazenda)
querem entrar em rota de colisão com a Justiça ? diz um técnico da área jurídica
do governo.

A decisão de Temer de atender ao pedido do Rio gerou
atrito, já que a ajuda havia sido prometida de forma reservada entre ele e
Dornelles, num jantar no Palácio do Jaburu. O presidente interino foi
surpreendido, no entanto, com a estratégia do estado de decretar calamidade
pública, atropelando negociações programadas entre o Planalto e os outros 26
governadores, alguns enfrentando situação financeira tão grave quanto a do
Rio.

Em reunião com os governadores na véspera da edição da
MP autorizando o repasse ao Rio, Temer concordou em alongar as dívidas estaduais
com a União por mais 20 anos e também em suspender, até o fim de 2016, o
pagamento das parcelas mensais desses débitos. Segundo participantes do
encontro, o clima não estava muito bom entre Dornelles e os colegas. Sua
apresentação foi breve, e ele se recusou a ter uma nova rodada de conversas com Meirelles no fim do
dia.

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