SÃO PAULO – Dizendo-se descontente e desacreditado da política, o ex-secretário de educação e ex-deputado federal de São Paulo Gabriel Chalita resolveu trocar as disputas eletivas por uma carreira em Hollywood. Chalita assinou no ano passado um contrato sigiloso com Stan Lee, o criador de super heróis lendários como homem-aranha e X-men e ex-diretor da Marvel. O plano era criar uma história semelhante à do clássico infantil ?O Rei Leão?, mas ambientada na Amazônia. O projeto será lançado em quadrinhos e animação até o fim deste ano e é, para Chalita, uma saída honrosa de sua carreira política. Grandes estúdios como Disney e Pixar, segundo ele, já estão interessados.
– Hoje eu não tenho mais vontade de ser candidato a nada. Não quero passar minha vida justificando coisas que não têm lógica. O (senador José) Reguffe (sem partido) tentou me demover da ideia, mas do jeito que a política está, terminamos a conversa com ele admitindo que também tem medo – afirmou Chalita. Depois de ser escudeiro do governador Geraldo Alckmin (PSDB), aposta do presidente Michel Temer (PMDB) e braço direito do ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT), Chalita descarta qualquer possibilidade de se lançar candidato em 2018.
A decisão foi tomada depois da derrota eleitoral em São Paulo ? ele era candidato a vice de Haddad ? e do surgimento de seu nome em meio a denúncias da Lava- Jato. O ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, disse, em delação premiada, que recebeu pedido de propina do então vice-presidente Michel Temer para financiar a campanha de Gabriel Chalita à prefeitura de São Paulo em 2012. Sérgio Machado afirmou na Justiça não conhecer Chalita. Em uma das planilhas da Odebrecht, o nome dele era um dentre os mais de 200 políticos listados como tendo sido abastecidos em caixa dois. Chalita nega veementemente ter participação em qualquer esquema de corrupção e não é atualmente alvo de nenhuma investigação.
– Mas você não sabe quem pede dinheiro em seu nome, para quem e como pede – afirma Chalita, que depois de integrar a bancada peemedebista na Câmara dos Deputados sob comando de Eduardo Cunha, deixou conflituosamente o PMDB em direção ao PDT ainda no ano passado e que, desde então, não voltou a falar com Temer.
A negociação com Stan Lee e seus produtores ocorreu em meio a uma saia-justa para Chalita: ele era, ao mesmo tempo, pupilo de Michel Temer e vice na chapa de reeleição do petista Fernando Haddad à prefeitura de São Paulo. Era abril de 2016, Chalita era do PMDB, e em menos de um mês a Câmara, comandada por seu partido, apearia Dilma Rousseff da cadeira presidencial. Ainda assim, ele não teve dúvidas: embarcou em um avião para passar uma semana em Los Angeles, licenciando-se do cargo de secretário municipal de educação.
– Meu encontro com o Stan Lee foi mágico. Ele quis saber até sobre a velhinha que contava histórias no asilo que eu frequentava com a minha mãe na adolescência – contou Chalita.
A elaboração da história apresentada a Stan Lee levou apenas um mês. Profícuo autor, Chalita é conhecido por ser capaz de concluir uma obra literária no período de um voo entre São Paulo e Rio Grande do Norte.
Ele reconhece ter aproveitado sua experiência política para inspirar-se na criação dos personagens da ficção infantil. Os heróis, um macaco, uma tartaruga, um uirapuru e uma vitória-régia, precisam se unir contra um vilão cuja principal característica é a desfaçatez. Lamal, como foi batizado o ente, é um usurpador. Ele se disfarça de animais para enganá-los e com isso quase destrói a floresta. Na ficção, Lamal acaba derrotado, já que quem escreve o final é o próprio Chalita.
– Imagina se surge um dossiê contra mim, o pai nunca mais deixa o filho ler um livro meu. Os professores são desconfiados, nunca mais vão a uma palestra minha. Tenho muito a perder na política – diz Chalita. Faz sentido. Em média, ele recebe R$ 30 mil por palestras. Apenas em março, fará doze desses eventos.
Para alívio de Chalita, que recusa o epíteto de ex-deputado ou ex-secretário e prefere ser qualificado como professor, o produtor associado à empreitada de Stan Lee com Chalita ignora completamente a política brasileira. Frederico Lapenda, um brasileiro radicado em Los Angeles há 30 anos, foi o responsável por sugerir Chalita como o autor que pudesse viabilizar o projeto de animação na Amazônia em Hollywood.
– O pedigree ajuda muito a vender um projeto. Quando você apresenta uma pessoa com 70 livros publicados, dois doutorados, isso significa muito para um americano – aposta Lapenda, referindo-se ao currículo de Chalita.
Nenhum dos envolvidos revela o valor do projeto, embora Chalita, autor de peças para o teatro nacional, admita que “os números hollywoodianos são muito maiores do que os daqui”. Nem a política americana é tema entre ambos. Lapenda é eleitor de Trump. Chalita é fã de Obama. Mas, diz, esse assunto não lhe pertence mais.
– Sem uma reforma política, sem uma redução no número de partidos, é inviável. Como você governa com tanta gente, como dialoga com 34 partidos? O que é partido hoje? Sempre tenho um problema com os partidos. Durante a campanha, eu e o Haddad levávamos mais duas ou três pessoas em jantar com empresários. Os apoiadores olhavam torto, como quem achava que estávamos com medo, com reservas. E estávamos mesmo.