LONDRES ? A Europa enfrenta um crescente risco de surtos de novas doenças que podem ser difíceis de serem detectados e interrompidos à medida que o aquecimento global deixa o continente mais vulnerável a vírus e outros males trazidos por turistas e comércio, alertaram especialistas em saúde pública nesta quinta-feira. Segundo eles, um exemplo disso é a doença de Lyme. Transmitida por carrapatos, elas está avançando da Rússia à Grã-Bretanha e Croácia com a alta das temperaturas, enquanto a dengue, transportada por viajantes, ameaça se estabelecer em países do Sul da Europa, como Itália e Grécia. E o vírus da febre do Oeste do Nilo e a malária, assim como a zika, também já são motivos de preocupação.
– A União Europeia é um foco para emergência de doenças comunicáveis, e está muito conectada com outros focos do tipo ? avisou Jan Semenza, que chefia a avaliação científica do Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças (ECDC, na sigla em inglês), sediado na Suécia.
De acordo com Semenza, com 590 milhões de pessoas desembarcando nos aeroportos da Europa apenas em 2015 ? um dos setores aéreos mais movimentados do mundo ? e as mudanças climáticas, muitas partes da Europa estão mais vulneráveis à chegada de doenças que podem ser espalhar e correm risco de se estabelecerem. Hoje, 61% dos surtos de doenças que preocupam as autoridades de saúde pública na Europa são alimentados pela globalização ? o que inclui o turismo e o comércio – e as mudanças ambientais, afirmou ele durante debate sobre o assunto no Instituto Grantham, do Imperial College London, esta semana. O que é particularmente preocupante para os especialistas é que apenas uns poucos países europeus, incluindo Reino Unido e Espanha, consideram que seus sistemas de monitoramento de doenças estão aptos para acompanhar estas novas ameaças, acrescentou.
– A maioria dos sistemas de vigilância europeus afirmam não poderem lidar com as mudanças climáticas ? contou Semenza.
O ECDC, criado em 2005 a reboque das preocupações com o avanço da gripe asiática e da síndrome respiratória aguda severa (Sars, também na sigla em inglês), está ficando cada vez melhor em monitorar e prever epidemias ?que poderiam solapar o sistema, eventos catastróficos que não teremos como aguentar?, disse o pesquisador. Os cientistas, por exemplo, já têm informações de onde o mosquito da dengue poderia sobreviver na Europa, e durante quais meses, com dados de onde e quando passageiros de países com surtos de dengue estão chegando no continente. Isso fez os aeroportos de Milão e Roma, por exemplo, receberem alertas de alto risco de transmissão de dengue para ajudá-los a monitorar os desembarques neste período, destacou Semenza.
Os cientistas no centro na Suécia ? contraparte europeu do americano Centro para Controle e Prevenção de Doenças (CDC) ? também foram capazes de prever surtos da febre do Oeste do Nilo em 2014 com 87% de acerto com base nas temperaturas do verão, a localização dos campos alagados e as rotas de migração dos pássaros que são hospedeiros da doença. Um surto de malária na Grécia em 2011 também foi eficazmente contido depois que os especialistas em saúde identificaram outras áreas com as mesmas características da que sofreu a epidemia ? temperaturas cálidas, baixas elevações e campos irrigados ? e criaram um mapa usado em campanhas de fumacê contra o mosquito.
Mas a ameaça que tira o sono de Semenza é a zika. O aquecimento da Europa pode facilitar a transmissão do vírus à medida que os mosquitos se espalham, disse. Um surto de zika na América Latina coincidiu com milhares de casos de microcefalia ? uma severa malformação congênita associada com cabeças de tamanho reduzido ? em crianças nascidas de mulheres expostas ao vírus. Com o CDC estimando o custo de atendimento destas crianças nascidas com microcefalia por toda vida em US$ 1 milhão a US$ 10 milhões, esta é uma doença que a Europa não tem condições de enfrentar.
– A zika é a que mais assusta ? concluiu.