RIO – Quando David Bowie morreu, no começo deste ano, era de se esperar que jornais do mundo inteiro fossem correr para mostrar a tristeza nas ruas de Nova York, Berlim e Londres, todas fundamentais para a carreira do músico inglês. O que a imprensa internacional não esperava era que um dos epicentros do luto fosse Groningen, cidade no norte da Holanda. Na época, era por lá que passava a exposição do museu londrino Victoria & Albert ?David Bowie is?. Além de reunir preciosidades ? dos figurinos inesquecíveis de Ziggy Stardust criados pelo estilista japonês Kansai Yamamoto à colher de cocaína dos tempos mais sombrios do roqueiro, quando encarnava a persona do Thin White Duke ? a mostra já vinha emocionando fãs ao redor do mundo por permitir uma imersão no universo criativo do roqueiro graças ao trabalho dos curadores Geoffrey Marsh e Victoria Broackes.
? Nós ficamos chocados e tristes como todo mundo quando Bowie morreu. Mas a presença dele no mundo, apesar do fato dele não estar mais vivo, é maior do que nunca. E acho que a exposição colaborou bastante para isso ? orgulha-se Victoria, que é diretora do Departamento de Teatro e Performance do V&A. Ao lado do consultor Jackson Araújo, ela participa amanhã da conversa ?Pesquisa e curadoria: música e atmosfera em moda?, promovida pelo Instituto Rio Moda dentro do Rio Moda Discute Internacional, evento que acontece até segunda no Teatro Fashion Mall.
A defesa de que a exposição do Victoria & Albert ajudou a criar uma nova ?Bowiemania? nos últimos anos de vida do britânico não é exagero: na modesta Groening, de 197 mil habitantes, mais de 200 mil pessoas passaram pela mostra. No mundo todo, já foram mais de 1,3 milhão de visitantes, incluindo a passagem pelo Museu da Imagem e do Som (MIS), em São Paulo. Segundo Victoria, as filas em Londres eram tão grandes que a equipe do V&A simplesmente teve que improvisar bilhetes de entrada feitos à mão, algo que nunca havia acontecido antes. A repercussão fez com que o ?Washington Post? declarasse que ?David Bowie is? era o marco de uma nova era na experiência de se visitar um museu: o melhor exemplo de mega exposições multimídia que, além de atrair milhares, ocupam a agenda cultural das cidades em que chegam com palestras, shows e exibições de filmes.
? Fomos cuidadosos para ser mais do que uma exibição de ?relíquias sagradas?. É crucial fornecer explicações sobre contexto, inspiração, processo criativo e impacto. Para mim, um museu é um lugar para inspirar criatividade por meio da exibição e interpretação de objetos originais para a maior audiência possível ? explica ela, que, fã de carteirinha de Ziggy Stardust, ganhou de Bowie o direito de vasculhar todos os itens de seu acervo, com exceção de um saxofone que ele ganhara de presente aos 13 anos do pai.
? É fantástico ver um par de botas que você jamais poderia ver a não ser na televisão ou de muito longe em um show. Também adorei ver os storyboards que ele desenhou para um filme. Bowie trabalhou com tantas coisas, geralmente ao mesmo tempo, e enquanto tinha que se apresentar em shows à noite ou fazer gravações no estúdio de dia. É realmente impressionante ? comenta.
Antes de se consagrar com a exposição sobre Bowie, a inglesa organizou mostras sobre a cantora australiana Kylie Minogue (2007), o grupo The Supremes (2008) e a vocalista do Eurythmics, Annie Lennox (2011). Todos no V&A que, apesar de colecionar itens da cultura pop desde os anos 70, só começou a produzir mostras sobre o assunto nos últimos dez anos.
? Sempre que possível, tentamos envolver o artista na exposição, e foi assim com Kylie e Annie (Bowie deu acesso ao seu arquivo, mas não quis participar do processo) ? conta Victoria, que recentemente conversou com a ex-modelo Twiggy e a artista plástica Yoko Ono sobre a próxima empreitada do museu. Com estreia marcada para 10 de setembro, ?You Say You Want a Revolution? Records and Rebels 1966-70?, irá examinar a contracultura do fim dos anos 60. Além de explorar a música e a moda dos anos rebeldes, o V&A instalará um salão de beleza do inovador cabeleireiro Vidal Sassoon dentro de suas galerias, além de um ?living revolucionário? onde o público poderá debater como se estivesse em 1968 (ou seja, pessoalmente, sem indiretas e grosserias no Facebook).
Não é por menos, Victoria diz que atualmente não consegue ?se desligar? dos anos 60, e cita o Velvet Underground, o grupo cult bancado por Andy Warhol e liderado por Lou Reed (1942-2013), como uma banda para a qual gostaria de ter criado uma exposição. Com a partida de Reed, Bowie e, mais recentemente, Prince, impossível não perguntar se, para ela, o tempo das transgressões já passou.
?Tem muita gente talentosa hoje desbravando novas fronteiras. Mas a era de ouro, na minha opinião, já acabou. Não é porque os artistas tenham menos talento. É simplesmente impossível para qualquer pessoa ter o mesmo alcance que um músico tinha até os anos 90, quando a cultura era mais homogênea ? explica ? Nos anos 60, você mal podia telefonar de Londres para os Estados Unidos, voar era muito caro e, no entanto, quando os Beatles lançaram o disco ?Sgt. pepper’s lonely hearts club band”, a juventude dos dois países estava ouvindo e conectando ideias de um continente ao outro por meio da música.