Quem acha que a cegueira foi capaz de impor limites à professora de História, Caroline Rodrigues Macalini, está muito enganado. Ela é conhecida nas redes sociais por suas receitas de dar água na boca. Com a ajuda do marido, que faz as fotos dos pratos já finalizados, a página Cega na Cozinha já está ativa há mais de um ano e tem quase dois mil seguidores.
É a própria Caroline quem faz todos os pratos e faz questão de postá-los. A interação ocorre quase que diariamente. Entre um comentário e outro, os seguidores pedem dicas à cozinheira, que responde com a maioria de detalhes possível.
Caroline é daquelas que não vê sua deficiência como impedimento, e partilha sua história neste Dia Nacional do Cego, lembrado hoje. Ela conta que por conta de uma retinopatia da prematuridade – crescimento desorganizado dos vasos sanguíneos que suprem a retina (camada mais interna do globo dos olhos) do bebê. Esses vasos podem sangrar e, em casos mais sérios, a retina pode descolar e ocasionar a perda da visão da criança – perdeu a visão ainda nos primeiros dias de vida.
“Sempre tive uma aceitação muito boa da minha cegueira. O que ainda me incomoda é a dificuldade social que as pessoas têm em nos enxergar como uma pessoa normal. Quando você é cego há duas fases: ou é visto como exemplo de superação ou como coitadinho. Não sei se é preconceito ou certa ignorância, falta de conhecimento. Às vezes, na própria família as pessoas não conseguem te enxergar como igual, elas têm um bloqueio em te ver como um ser humano normal porque você é cego”, relata Caroline.
Os enfrentamentos
Embora haja ainda muito que se avançar, inclusive em questões voltadas à acessibilidade, Caroline é uma pessoa que quer transformar o local onde vive. Como se não bastasse a aptidão com as panelas, os temperos e os mais variados alimentos, a professora ainda quebra paradigmas.
A conquista do diploma, além de muita teimosia segundo ela, foi de enfrentamento. “Tinha colegas que faziam comentários absurdos, como por exemplo, ir à faculdade para se entreter. Se fosse para entretenimento, não estaria lá em dias frios e de chuva”, conta.
Dentro da sala de aula, onde atuou durante todo o ano de 2016, Caroline envolveu a turma em um ambiente diferente do que estavam acostumados. Para quebrar barreiras, levou seu computador com leitor de tela e livros em braile para que os alunos conhecessem a sua didática e acima de tudo, entendessem que aquilo tudo era normal. “Quebrei preconceitos dentro da sala de aula”, comenta.
A luta pelos direitos
Em Cascavel, a Acadevi (Associação dos Deficientes Visuais), fundada em novembro de 1989, é quem tenta garantir das mais diversas formas os direitos das pessoas cegas ou com algum tipo de deficiência visual.
Conforme o coordenador de eventos da Acadevi, Valdecir Pereira dos Santos, no último sábado de cada mês são organizadas reuniões que tratam sobre temas pertinentes às dificuldades deste público. Neste caso, a ação é aberta a toda comunidade, com início às 14h, em uma sala no segundo piso da rodoviária.
“Às vezes, um familiar tem alguma dúvida ou interesse em determinado assunto e são nessas reuniões que muita coisa é esclarecida”, afirma Santos.
O coordenador diz ainda que, apesar da constante luta, ainda há no município questões que precisam ser abordadas. “Nas ruas, nos colégios, nos órgãos públicos, falta acessibilidade. Seja uma guia ou material didático, ainda há uma carência muito grande. Mas este não é um problema local, infelizmente ocorre em todo o mundo”, lamenta.
Santos está concluindo os estudos e vê uma grande dificuldade na capacitação dos professores. “Alguns deles não sabe como nos ensinar, não têm domínio com o nosso material didático, que é o computador com leitor de tela. Uma vez, a minha professora não conseguiu corrigir meu trabalho e disse que não sabia como se fazia isso. Instruí-los melhor quanto a essa demanda seria muito importante”, relata.