“Tenho 44 anos, sou carioca, mas saí do Rio aos 21 anos, assim que me formei
em Psicologia. Fiz mestrado em Psicologia Clínica e Patológica na Université
Paris Descartes, em Paris, depois em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente,
na UESC (2006), e doutorado em Psicologia Social na UFRN.”
Conte algo que não sei.
Precisamos da interação com outros animais e plantas
para que nos tornemos humanos.
Que problemas têm crianças sem contato com o meio
ambiente?
Partimos de um conceito que é da Psicologia Ambiental: o
da biofilia. Ou seja, nós, humanos, temos apego a tudo que é vivo. Crianças bem
pequenas, quando vão à praia, enchem a boca de areia. Todo humano tem isso, mas
quando essa biofilia não é estimulada acontece o que chamamos de déficit de
natureza.
E qual a consequência?
As crianças que têm esse déficit não conseguem realizar seu desenvolvimento
plenamente. Elas não se tocam pelo sofrimento dos outros seres. Daí partimos
para a indiferença. Hoje, as crianças bebem o leite da caixa, mas não sabem que
vem da vaca. Há casos piores, em que, em vez de desenvolverem biofilia, as
crianças acabam tendo biofobia. Têm medo de tudo que se mexe, de tudo que é
vivo. Essas crianças não conseguem ficar descalças na areia, ou na terra, ficam
em pânico nessas situações.
O que as impede de ter esse contato com a natureza?
No Rio, a Zona Sul é privilegiado, com praias, Jardim
Botânico, mas muitas coisas têm dificultado o acesso à natureza. A violência
urbana é uma delas. Hoje, passear nas Paineiras e na Vista Chinesa, por exemplo,
é arriscado. Você não fica tranquilo para sentar, ler seu livro e deixar seu
filho brincar. Nas periferias, é ainda pior. Os pais não deixam as crianças
brincarem nas ruas, porque temem uma bala perdida, ou mesmo que acabem em
contato com o tráfico de drogas.
E o papel da escola?
A escola é a grande responsável pelo emparedamento das
crianças. Elas têm um cotidiano superatarefado. Estudam, vão ao balé, ao curso
de inglês. No fim do dia, estão esgotadas. Crianças precisam ficar à toa. Como
elas passam a maior parte do tempo na escola, esta deveria ser a instituição a
propiciar um maior contato com a natureza. Pelo menos nas escolas públicas,
porém, quando se fala num passeio no parque, é um problema. Não há transporte,
dinheiro ou acompanhante para o grupo; os pais não querem autorizar porque têm
medo da falta de segurança.
Como chegou-se a esse ponto?
É todo um contexto social. Entra aí a jornada de
trabalho dos pais, que não permite que eles fiquem com os filhos. É uma grande
diferença que vejo na cultura indígena, onde os pais são mais presentes. No
Brasil, a questão da violência influi muito. Nas periferias, mães saem para
trabalhar e deixam os filhos trancados em casa. Pode-se ver aí uma perversidade,
mas essa mãe não pode pagar uma babá, ou uma creche.
As crianças já introjetaram o medo da violência e
pararam de questionar os pais?
Há estudos que mostram que as crianças leem a realidade
nas feições e no discurso do pais. Se a mãe e uma criança estão perto de uma
cobra e a mãe expressa medo, a criança atua quase como um espelho. Também vai se
sentir ameaçada. Agora, se a mãe tem uma postura tranquila, a criança também
terá.
Muita gente hoje é contrária aos zoológicos. Como pesquisadora na
área de educação ambiental, o que acha?
É um mal necessário. Há quase consenso na Psicologia
Ambiental que os zoológicos diferentes do modelo tradicional podem estimular o
primeiro contato das crianças com outras espécies.