Cotidiano

Cem lanchas com contrabando atravessam todas as noites do Paraguai para o Brasil

Somente em cigarros, cargas diárias ultrapassam os R$ 2,5 milhões

Guaíra – Já passava do meio-dia, sob um sol escaldante e termômetro na casa dos 35ºC, quando a equipe do Jornal O Paraná chegou a um porto clandestino na barranca do Rio Paraná, no Lago de Itaipu, na companhia de agentes da Polícia Federal do Nepom (Núcleo Especial de Polícia Marítima) da Delegacia da PF de Guaíra. O mato remexido, galhos quebrados e as marcas deixadas pelo chão indicavam que pouco tempo antes contrabandistas e traficantes estiveram por ali. “Como este porto fica a cinco minutos do Nepom, se eles estavam aqui quando saímos da base provavelmente os olheiros informaram e fugiram. Eles fazem isso muito rápido, em um minuto conseguem desaparecer”, conta o responsável pelo Nepon há cinco anos, o agente da PF Carlos Alberto Rocha.

Este é apenas um dos pelo menos 50 portos já identificados pela PF e que com são destruídos seguidamente, mas substituídos rapidamente por outro ao lado, desde Pato Bragado até Guaíra, em cerca de 80 quilômetros de costa do rio. A base de Guaíra monitora ainda outros 200 quilômetros pluviais, 100 subindo no sentido noroeste e outros cem descendo de volta a Guaíra.

Ele é o caminho mais rápido para a travessia de contrabandistas de cigarros, pneus e eletrônicos e eventualmente drogas, armas e munições que lotam lanchas no Paraguai vindo para o Brasil e que facilmente são disseminados por todo o País por vias terrestres. “Temos notado principalmente cigarros, às vezes encontramos drogas, mas arma é muito difícil. Geralmente a arma apreendida é de quem pilota a lancha, de uso pessoal. O que temos observado é que o tráfico de armas ocorre principalmente por via terrestre”, explica o agente da PF.

A reportagem esteve neste e em outro porto clandestino bem próximo, este usado quase que exclusivamente para o contrabando de pneus. Portos clandestinos não têm estrutura física dita, eles não passam de picadas abertas na barranca do rio, onde os criminosos derrubam mata nativa para facilitar o acesso de carros e até caminhões que são trazidos pelas embarcações do país vizinho.

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Embarcações flagradas sendo carregadas no Paraguai

E no Dia Nacional de Combate ao Contrabando, lembrado ontem, um alerta pode ser facilmente detectado. Esta modalidade criminosa, que domina a fronteira do Brasil com o Paraguai, possui a organização de uma empresa e muito bem-sucedida.

Ela é formada por pessoas que carregam as lanchas, pilotos, olheiros, as chamadas mulas para descarregar e os motoristas que tiram a “mercadoria” da barranca do rio. Isso sem contar os batedores, que dão suporte, e a rede de agentes de segurança corrompidos que facilitam o transporte.

Durante o monitoramento que a reportagem fez com a PF, foi possível flagrar o trabalho intenso do lado de lá da fronteira. Em um único ponto havia dezenas de lanchas e muitas caixas cobertas com lona, indicando ser cigarro. As lanchas estavam sendo carregadas para a travessia que seria feita ainda durante o dia, conforme as oportunidades observadas pelos contrabandistas, ou durante a noite, quando a fiscalização fica mais frágil. Nem a nossa presença inibe ou interfere no trabalho de quem está do lado de lá e a explicação é simples. Segundo o agente responsável pelo Nepom, há o percurso onde a navegação pode ser feita exclusivamente por brasileiros, há um corredor de águas internacionais onde brasileiros e paraguaios podem navegar e há a parte do rio onde é o Paraguai. É neste trecho que os contrabandistas se sentem seguros. “Quando eles estão em trânsito e percebem que estamos chegando, muitos fogem, voltam para lá [lado paraguaio]. Quando estão do lado de cá, jogam as mercadorias às margens do rio e afundam a embarcação para resgatá-la depois. Quando isso ocorre no Brasil e conseguimos localizar as embarcações, elas são apreendidas, assim como a mercadoria”, segue Alberto, ao lembrar que há dezenas dessas embarcações no pátio do núcleo para serem encaminhadas à Receita Federal.

 

PF monitora e intensifica ação contra contrabando, mas falta efetivo

Um mercado milionário

E se nem a luz do dia inibe a ação de contrabandistas e traficantes, durante a noite é que a situação fica ainda mais crítica. Com base no trabalho de investigação da PF, a estimativa é de que pelo menos cem lanchas carregadas com 50 caixas de cigarros cada uma atravessem o rio todas as noites. Isso significa que são pelo menos 5 mil caixas de cigarro entrando ilegalmente para o Brasil todas as noites, apenas naquele percurso. O milionário mercado garante movimentação diária que pode chegar aos R$ 2,5 milhões.

Por mais que haja monitoramento e ações de rotina da PF para capturar contrabandistas e traficantes, o problema esbarra na falta de efetivo. Para um trabalho intenso e ininterrupto de fiscalização seriam necessários pelos menos mais 20 agentes altamente preparados para esse tipo de ação, situação que não deve mudar no curto prazo. A expectativa é para que a nova contratação de policiais anunciada essa semana pelo Ministério da Segurança Pública possa amenizar esse déficit, mas é algo burocrático, que pode demandar até mais de um ano.

Nova sede de R$ 9,5 milhões fica pronta neste semestre

A boa notícia é que parte dos problemas no Nepom está com os dias contados. Ao menos sob o ponto de vista estrutural. Hoje a estrutura está num local cedido pela prefeitura local, bastante deteriorado. Ali o Nepom sofre com algumas limitações, entre elas as que não permitem que as embarcações deixem a base quando o nível do rio baixa muito.

A nova sede, que custou mais de R$ 9,5 milhões, começa a operar até o fim deste semestre. Ela está em um ponto estratégico e importante do rio e um braço de navegação vai facilitar todas as ações dos agentes, independente do nível do rio. “As nossas embarcações sempre sairão dali, não haverá limitações quanto a isso”, conta o agente da PF, responsável pelo Nepom, Carlos Alberto Rocha.

Além disso, a estrutura ampla terá um estande de tiros, o canil, a estrutura administrativa e operacional. Longe de resolver todos os problemas, ela será um mecanismo a mais no enfrentamento ao tráfico e ao contrabando que colocam a fronteira do Brasil com o Paraguai como uma das mais vulneráveis e problemáticas do País.

Nessa semana, o ministro do recém-criado Ministério da Segurança Pública, Raul Jungmann, disse que vai reforçar a segurança na fronteira e que, dos mil novos policiais a serem contratados, 500 da PF e 500 da PRF, ao menos 300 serão designados para regiões de fronteira. Vale lembrar que o País tem quase 17 mil quilômetros que fazem fronteira com outros países.