BRASÍLIA – Embaixador da Espanha no Brasil, Manuel de la Cámara afirma que autoridades da Catalunha puxam o movimento independentista para tirar o foco da ?péssima administração? e da ?corrupção? praticada nos últimos governos da região. Segundo ele, a realização de um referendo sobre o tema, já barrado pelo Tribunal Constitucional espanhol mas que o governo catalão garante que fará até setembro deste ano, é apenas mais uma faceta do ?populismo que pode levar a situações muito perigosas?. Cámara diz que são falsas as acusações de que o governo da Espanha tem investido pouco na Catalunha e que desrespeita a cultura e o idioma local. Ao contrário, o embaixador diz que é a administração catalã que põe obstáculos ao ensino e ao uso da língua espanhola. catalunha
O impasse em torno da reivindicação de independência da Catalunha tem saída?
A questão mais importante num país democrático é respeitar a legalidade. Assim como no Brasil, temos um sistema de leis, e na base desse sistema está a Constituição espanhola de 1978, que estabelece grande autonomia das regiões. Com base nela, foi estabelecido um estatuto de autonomia da Catalunha, em 1979, que foi revisado com o novo estatuto, em 2006. Esse estatuto de 2006 trouxe alguns problemas, porque estabelecia, entre outras coisas, que a Catalunha fosse uma nação própria, e isso é contrário à Constituição espanhola, que estabelece que a soberania da Espanha pertence ao povo espanhol todo, e não só a uma parte. É como se você pudesse dizer agora que os cidadãos de São Paulo ou do Rio Grande do Sul têm uma nação própria. Isso é naturalmente inaceitável. Isso foi cancelado pelo Tribunal Constitucional.
Sendo tão claro o impedimento que o senhor aponta, por que a Catalunha insiste na ideia de independência?
Devido à péssima administração do governo da Catalunha, eles estão muito endividados. A dívida chega a 72 bilhões de euros, representa 27,4% do total da dívida das diferentes comunidades espanholas, com uma população de apenas 17% do total. Mesmo assim, entre 2012 e 2016, o governo central da Espanha transferiu a Catalunha 58 bilhões de euros para pagar as dívidas, que é aproximadamente 189 bilhões de reais. Eles basicamente estão focados em todo esse movimento de independência, mas não em resolver os problemas reais da população, dos cidadãos da Catalunha, como melhorar o sistema de saúde, educação, infraestrutura, serviços sociais.
Querem tirar o foco dos problemas?
Isso. E também porque tiveram muita corrupção. Então focam em outras coisas. Quando os governos têm problemas é muito fácil ir ao populismo. E foi isso que aconteceu, infelizmente. O populismo está se proliferando muito no mundo atual. É um dos grandes problemas da sociedade atual. O projeto da independência é claramente populista, focado para o sentimento da população, mas não para lógica e racionalidade.
Há uma queixa de que o governo espanhol não investe na Catalunha e agride a cultura e idioma locais, segundo declarações de Albert Royo Marinés, do Conselho da Diplomacia da Catalunha.
Não é verdade. A Catalunha é uma das regiões mais desenvolvidas da Espanha. Tem uma renda per capita superior à média do país. O PIB foi de 204 bilhões de euros no ano passado. A infraestrutura é muito desenvolvida. Tem uma situação privilegiada, muito superior a outras partes da Espanha. Não podemos compreender quando este representante do governo disse que há uma agressão a língua e à cultura catalã. Eles têm meio de comunicação em catalão, literatura, jornais, atividade política toda está no idioma. O que acontece é um pouco contrário. A Catalunha tem restrições ao ensino da língua espanhola, ao uso do espanhol nas fachadas das lojas.
Por que a Catalunha diz que o governo espanhol se nega a dialogar sobre o referendo de independência?
Claro que o governo da Espanha está pronto para discutir e colaborar com as questões que sejam de interesse da Catalunha, mas naturalmente não pode discutir algo que é contra a lei. Assim como o Governo Federal do Brasil não poderia discutir com o governo de um estado como fazer um referendo sobre independência. Quando o governo central recentemente convocou uma conferência com todos os governadores dos estados espanhóis para falar do financiamento dos estados, o governo da Catalunha não foi. Se quiserem, podem tentar convencer a população da Espanha inteira de que é preciso modificar a Constituição para que façam o referendo, porque é uma questão que afeta o país inteiro, todos os cidadãos. Mas falar sobre algo que vai contra Constituição, naturalmente nenhum governo vai discutir. Além disso, essa posição de dividir o Estado pode levar a situações muito complicadas, não só na Espanha. Vimos o que aconteceu na antiga Iugoslávia.
Há risco de confrontos violentos por causa desse impasse?
Até agora, nunca tivemos violência na Catalunha. O projeto vem sendo encaminhado politicamente, o que naturalmente é positivo, mas o que está acontecendo é a pressão sobre a opinião pública na Catalunha, por parte dos grupos independentes, é muito forte. E isso vem levando a uma divisão entre amigos, entre famílias. O populismo que pode levar a situações muito perigosas.