Cotidiano

Cadeias abrigam três vezes mais presos que capacidade

Situação crítica confronta anúncio, ainda em 2011, de que Estado criaria 9 mil novas vagas

Toledo – Três tentativas de fuga em três dias. Este é um cálculo preocupante de verdadeiras bombas-relógio prestes a explodir. Neste caso, as tentativas foram todas na cadeia pública de Marechal Cândido Rondon entre o fim da semana passada e o início desta semana não são inéditas e em outras situações já foram bem-sucedidas por quem as praticava com mais de uma dezena de fugas nos últimos anos somente nesta unidade.

Episódios assim, frequentes e que deixam a população em alerta, pois geralmente estão nas áreas centrais ou em lugares com grande concentração de pessoas, ilustram uma realidade alarmante no oeste do Paraná e que não foge à regra pelo Estado todo, onde está uma das maiores comunidades carcerária do País com pelo menos 29 mil detentos, um terço em carceragens e delegacias da Polícia Civil.

Na região só as cadeias públicas amontoavam ontem, segundo levantamento da reportagem, analisando apenas as maiores e que se dispuseram a informar os números, 830 detentos, três vezes mais que aquilo que de fato comportariam: 259. Esse número não considera as penitenciárias estaduais de Cascavel, duas em Foz do Iguaçu e a industrial de Cascavel.

Este pode ser o reflexo de um sistema fragilizado e em ruínas. Em Marechal Cândido Rondon são quase 100 presos em espaço para apenas 25. Achou alarmante? Tem situação ainda pior. A mais crítica continua sendo a de Toledo onde a cadeia teve há cerca de três meses uma interdição, muitos presos foram transferidos para a PEC, por exemplo, mas contava nesta quarta-feira com 175 internos. Eles estão em seis celas, inclusive a considerada do seguro onde ficam os detentos ameaçados dentro da cadeia, que logisticamente acomodariam 36 pessoas. Lá, a quantidade de encarcerados é quase cinco vezes maior do que poderia acomodar.

Além dessas duas, outra situação que chama a atenção é a de Guaíra. São 191 detentos em espaço para 64, ou seja, são três detentos dormindo no lugar onde um apenas deveria estar.

Poderia ser diferente

O cenário regional deveria ter sido amenizado se o anúncio feito ainda no ano de 2011, e reforçado três anos depois pelo governo do Estado, já tivesse saído do papel. O Estado disse que criaria 9 mil vagas no sistema prisional paranaense e que para isso contaria com o apoio do governo federal. Os investimentos na época seriam na ordem de R$ 150 milhões. Destes, 80% viriam da União e 20% seriam em contrapartida do governo estadual, ou seja, algo em torno de R$ 29 milhões.

Dentre as promessas até agora não cumpridas está a ampliação, em mais de 300 vagas, na PIC (Penitenciária Industrial de Cascavel). A unidade saltaria de 360 vagas para 700. Vale lembrar que essa ampliação, que nem sequer iniciou, já deveria ter sido concluída em 2016.

Fatores externos interferiram, diz Estado

O Jornal O Paraná procurou a Sesp (Secretaria de Estado de Segurança Pública e Administração Penitenciária) e fez alguns questionamentos acerca das ampliações e das medidas para desafogamento das unidades superlotadas e, por meio de sua assessoria de imprensa, informou que o projeto, apesar de anunciado em 2011, foi iniciado em 2014, mas passou por alguns entraves que o estagnaram. “Primeiro foi a instabilidade econômica e depois as constantes mudanças, tanto do ministro da Justiça como do secretário Nacional de Segurança Pública, limitando assim a discussão desse processo, além de erros encontrados nos projetos que precisaram ser modificados”.

Porém, de acordo com a Sesp, esses problemas estariam com os dias contados porque há a liberação de R$ 135 milhões, já em conta, sendo cerca de R$ 100 milhões vindos do governo federal e R$ 35 milhões de contrapartida do Estado para 14 obras de ampliação ou novas edificações. “Cada convênio tem sua conta bancária e o dinheiro já está lá”, assegurou a assessoria.

Os projetos são tripartites, envolvendo a Caixa Econômica Federal, o Depen Nacional e o Depen-Paraná.

Quanto ao número de obras, que antes eram previstas 20, a assessoria disse que se optou por 14, mas que elas vão criar 6.756 vagas. A prioridade estaria no regime fechado, uma vez que o semiaberto tem hoje a prerrogativa do uso das tornozeleiras eletrônicas que, só hoje no Paraná, somam 5,6 mil em utilização.

Quanto à ampliação da PIC, a Sesp assegurou que as obras iniciam ainda neste mês e que o término deve ocorrer em 2018. Ali serão 334 novas ocupações.

Entre as que serão ampliadas também está a Penitenciária Estadual de Foz do Iguaçu I. Os trabalhos por lá iniciam, segundo a assessoria, em outubro e serão 501 novas vagas.

Além destas, há a construção das cadeias de Foz do Iguaçu e de Guaíra, cada uma com 752 novas vagas. A licitação para ambos os casos deve ocorrer até dezembro com previsão do início das obras no primeiro trimestre de 2018 e conclusão em dezembro do ano que vem.

Estudo detectou condições insalubres e sem ressocialização

Em abril deste ano, um estudo divulgado pelo TCE (Tribunal de Contas do Estado do Paraná) revelou que, dos 29 mil detentos no Estado, um terço estava amontoado em 174 cadeias públicas e carceragens das delegacias “em condições insalubres e degradantes, e sem acesso a qualquer política de ressocialização”. Essa teria sido a principal conclusão de estudo sobre o sistema carcerário. "Essa condição de total desumanidade impacta diretamente a questão da segurança pública no Estado", declarou o presidente do TCE, conselheiro Durval Amaral.

O levantamento serve como base para auditoria integrada que o TCE-PR está realizando em todo o sistema dentro de seu PAF (Plano Anual de Fiscalização) de 2017. Esse trabalho deverá ser concluído no próximo mês, mas ainda na época da divulgação do estudo o TCE chegou a sugerir outras medidas.

Uma delas seria a elaboração – em caráter de urgência – de um plano estratégico para o sistema carcerário do Paraná, incluindo governo do Estado, Tribunal de Justiça, Ministério Público e Defensoria Pública. A outra medida imediata recomendada pelo TCE era que o governo estadual redirecionasse recursos do empréstimo de US$ 112 milhões, concedido pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), para a construção de penitenciárias. Essa verba também deveria ser investida na modernização das cadeias públicas e na compra de equipamentos para a Polícia Civil do Paraná. Esta recomendação ainda não ocorreu.