Brasília – O Brasil amanheceu ontem com mais uma notícia que abala o mercado pecuário. É a chamada Operação Trapaça, terceira fase da Carne Fraca, que revela um esquema de fraudes laboratoriais para ocultar especialmente a salmonela da carne. Um dos alvos é a empresa BRF, gigante do setor de carnes e processados, que produz e comercializa as marcas Sadia e Perdigão. O ex-presidente da empresa Pedro de Andrade Faria (2015 a 31 de dezembro de 2017), o ex-diretor-vice-presidente Hélio Rubens Mendes dos Santos Júnior e outros oito foram presos.
No total, a PF (Polícia Federal) cumpriu 91 ordens judiciais nos estados do Paraná, de Santa Catarina, do Rio Grande do Sul, de Goiás e de São Paulo, sendo 11 mandados de prisão temporária, 27 mandados de condução coercitiva e 53 mandados de busca e apreensão. Cerca de 270 policiais federais e 21 auditores fiscais federais agropecuários participaram da ação coordenada entre a PF e o Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento). Em Toledo, oeste do Paraná, onde há uma fábrica da BRFoods adquirida da Sadia, foram cumpridos mandados de busca e apreensão e condução coercitiva.
Fraudes
A Operação Trapaça aponta que cinco laboratórios credenciados no Mapa e setores de análises do grupo empresarial fraudavam resultados de exames em amostras de seu processo industrial, informando dados fictícios em laudos e planilhas técnicos. As fraudes tinham como finalidade burlar o SIF/Mapa (Serviço de Inspeção Federal) e, com isso, não permitir que a Pasta fiscalizasse com eficácia a qualidade do processo industrial da empresa.
Conforme as investigações, as fraudes contavam com anuência de executivos do grupo empresarial, bem como de seu corpo técnico, além de profissionais responsáveis pelo controle de qualidade dos produtos da própria empresa.
Também foram constatadas manobras extrajudiciais, operadas pelos executivos do grupo para acobertar a prática desses ilícitos ao longo das investigações.
O nome dado à fase é uma alusão ao sistema de fraudes operadas por um grupo empresarial do ramo alimentício e por laboratórios de análises de alimentos a ele vinculados.
Os investigados poderão responder, dentre outros, pelos crimes de falsidade documental, estelionato qualificado e formação de quadrilha ou bando, além de crimes contra a saúde pública.
Ex-presidente sabia das fraudes: “Sempre levamos bucha”
Em 18 de junho de 2014 um e-mail enviado pela responsável pela Garantia da Qualidade da BRF S.A., Fabianne Baldo, uma das 11 pessoas presas na Operação Trapaça, para a supervisora de laboratório do grupo Adriana Marques Carvalho, com o assunto “Laudo Rússia”, foi um dos elementos que levaram a Polícia Federal e o Ministério Público Federal a pedirem a prisão do ex-presidente da gigante do setor de carnes, dona da Sadia e da Perdigão, Pedro de Andrade Faria.
Na mensagem, a executiva do grupo solicita “alteração para geração de laudos nas análises ‘Sobrecoxa’”, seguido de uma série de número de lotes para supostas “alterações”. As alterações seriam de rastreabilidade, conforme respondeu a ex-funcionária, no e-mail de 2014. “Adriana responde que já foram feitas alterações em duas rastreabilidades e que iria modificar as demais, e também questiona sobre a quantidade de laudos laboratoriais que estão sendo adulterados (‘Está acontecendo MUITO esses pedidos de alteração de resultados’) para esconder a contaminação de alimentos e para simular a rastreabilidade de produtos e o risco de serem ‘pegos na mentira’”, destaca representação entregue à Justiça Federal, pelo delegado Maurício Moscardi.
Fabianne responde, assumindo implicitamente que se trata de prática corriqueira na empresa, que tomarão mais cuidado.
O episódio resultou na demissão da funcionária e em uma ação trabalhista que foi parar nas mãos da Carne Fraca três anos depois e que revelou elementos de que o ex-presidente da BRF e seus subalternos sabiam das irregularidades nos produtos e atuou para ocultar o problema. “É um absurdo! É impressionante como sempre levamos bucha dos mesmos lugares”, registra um e-mail de 3 de setembro de 2015, enviado por Faria para executivos do grupo, entre eles o ex-vice-presidente Hélio Rubens Mendes dos Santos Júnior – também preso ontem.
O suposto acobertamento das fraudes em exames laboratoriais reveladas na petição inicial da ação trabalhista de Adriana Marques Carvalho, ex-empregada da BRF S/A, descoberta pela análise de e-mails aos quais se chegou nas primeiras fases da Operação Carne Fraca, é um dos “conjuntos de fatos ilícitos” que levaram o juiz federal André Wasilewski Duszczak, da 1ª Vara Federal de Ponta Grossa, a decretar a prisão de Faria, de Santos Junior e Fabianne e outras oito pessoas do grupo.
As apurações da Carne Fraca mostraram que o ex-presidente da BRF – que comandou o grupo de 2015 até dezembro de 2017 – sabia do esquema.
Segundo o delegado Maurício Moscardi, há indícios na BRF de “deliberada política de ocultar fraudulentamente a contaminação de sua produção, induzindo a fiscalização federal em erro”.
Ministério nega risco à saúde pública
O Mapa negou ontem que o abastecimento de carnes brancas (frangos e perus) possa oferecer risco à saúde pública, tanto no Brasil quanto no exterior. Contudo, as fraudes descobertas podem afetar as exportações brasileiras.
Segundo o Ministério, a presença da bactéria salmonela é comum, principalmente em carne de aves, pois faz parte da flora intestinal desses animais. No entanto, quando utilizados os procedimentos adequados de preparo minimizam os riscos no consumo da Salmonella, uma vez que a bactéria é destruída em altas temperaturas, como frituras e cozimento.
O alvo principal da operação Trapaça é a fraude nos resultados de análises laboratoriais relacionados ao grupo de bactérias Salmonella spp.
Dentre os mais de 2 mil sorovares (espécies de Salmonella), existem dois de preocupação para a saúde animal e dois de saúde pública, que devem desencadear medidas específicas dentro das granjas avícolas e nos produtos sabidamente positivos para salmonela, visando à melhoria do manejo à redução de riscos do campo à mesa do consumidor final.
Procedimentos adotados:
– Suspensão do credenciamento dos laboratórios alvo da operação, até finalização dos procedimentos de investigação, que poderão resultar no cancelamento definitivo do credenciamento;
– Suspensão dos estabelecimentos envolvidos para exportar a países que exigem requisitos sanitários específicos de controle e tipificação de Salmonella spp;
– Implementação de medidas complementares de fiscalização, com aumento de frequência de amostragem para as empresas envolvidas, até o final do processo de investigação.
Demais providências:
– Implementação pela SDA de novos modelos de controle de laboratórios credenciados visando à redução de fraudes;
– Aprimoramemto de ferramentas de combate a fraudes em alimentos, como também continuidade de ações já desempenhadas pelo Serviço de Inspeção Federal, possibilitando redução de não conformidades a curto e médio prazo.