Cotidiano

Análise: Críticas à PEC do teto são nova peça da escola João Santana

BRASÍLIA – O teto dos gastos, que é um tema pra lá de complexo e cuja PEC de fato poderia sofrer ajustes ? alguns destacados por Monica De Bolle e Felipe Salto ?, vem sendo tratado por seus adversários com a mesma simplicidade com que foi abordada a proposta de independência do Banco Central há dois anos: como se sua realização tirasse o prato de comida da mesa do trabalhador. A versão 2016 daquela peça que ajudou a reeleger a ex-presidente Dilma Rousseff é a afirmação de que a proposta impõe uma redução da despesa com saúde e educação.

Grosso modo, a PEC diz apenas que as despesas não poderão mais crescer acima da inflação. Portanto, todos os gastos atuais podem, em tese, ser mantidos nos mesmos patamares. Mas a sociedade poderá escolher anualmente, por meio de seus representantes, quais serão as áreas que ela pretende gastar mais e em quais pretende gastar menos, desde que respeitando o limite global do orçamento.

Como dinheiro não nasce em árvore, a partir de agora não haverá mais como defender aumento real de gastos com saúde ? que provavelmente serão necessários em função do envelhecimento da população ?, sem dizer qual gasto se pretende reduzir. Com isso, a tendência é que a arrecadação cresça mais rapidamente que os gastos, porque ela acompanha o avanço da economia. Em tese, isso pode levar a um superávit de 6% do PIB em 2035 – um valor considerado enorme. Mas só em tese.

Isso porque o superávit previsto para 2026 é de 2,9% e qualquer um que acompanha a política nacional sabe que, caso essa curva se confirme, o Congresso provavelmente aproveitará a revisão prevista para essa data para repactuar a regra. Os políticos gostam é de aprovar gasto, não de arrocho. Se hoje há uma maioria ampla pró-ajuste é porque a economia nacional foi levada a um tal estado que o governo conseguiu conquistar alguma racionalidade no parlamento.

Pode-se levantar ainda a hipótese de o país, por alguma razão excepcional, ter um crescimento imenso nos próximos anos e atingir os objetivos econômicos do teto antes da revisão prevista. Nesse caso, evidentemente haverá pressão dos próprios parlamentares para se aprovar outra PEC permitindo que os gastos públicos voltem a acompanhar o crescimento da economia. Em suma, se o cenário atual permitiu que se forme uma maioria ampla pró-arrocho, os críticos dos cortes podem ter certeza que se algum governo tiver segurança de que as contas públicas estão organizadas para o longo prazo, não haverá qualquer dificuldade de adaptar a nova regra à realidade.

* Paulo Celso Pereira é coordenador de Política da sucursal de Brasília do GLOBO