Cotidiano

70% da região tem problemas; 20% já têm uma epidemia

Só um em cada cinco dependentes quer a recuperação

Serranópolis – Marcos, de 26 anos, há quatro usa crack. Hoje trava uma luta diária para abandonar o vício. Perdeu 20 quilos desde que começou a usar a droga, abandonou o emprego, a faculdade, os amigos, a família. Passou a furtar objetos de casa e, no fim do ano passado, chegou ao fundo do poço: “Já não sabia mais o que fazer para conseguir dinheiro porque tudo o que eu conseguia trocava por droga. Um dia peguei a bolsa da minha mãe e peguei tudo o que havia nela. Era o dinheiro para ela pagar as contas do mês. (…) porque o usuário de crack é assim, se ele tiver 20 pedras, ele vai fumar todas de uma vez porque o prazer é muito rápido, mas a chegada da depressão também, então precisa se manter constantemente chapado”, desabafa.

Em recuperação por iniciativa da família, Marcos reconhece que abandonar o crack é muito mais doloroso do que a entrega ao vício. “É muito difícil sair deste inferno, mas preciso reestabelecer a minha vida e só sei que isso é possível porque a minha família tem como pagar e está me apoiando”, segue.

Marcos está longe de ser uma exceção. Sua história se repete com adultos, jovens, adolescentes, crianças, brancos, pretos, ricos e pobres. No oeste do Paraná a situação é alarmante: 20% dos municípios estão a uma pedra de uma epidemia de crack e cheios dos problemas causados por ela. São dez cidades de todos os portes vivendo realidades muito parecidas: problemas de difícil controle com a drogadição detectados pelos setores de segurança pública, saúde e assistência social.

Outros 21 municípios da região já acenderam a luz de alerta ante ao risco iminente da epidemia. Dos 50 municípios do oeste, apenas um aparece livre da pedra do mal, só que, olhando mais de pertinho, as autoridades locais confessam que para ela se alastrar é só uma questão de tempo.

Esses dados são do Observatório do Crack, vinculado à CNM (Confederação Nacional dos Municípios), e deram origem ao Mapa do Crack em todo o País. Onze municípios da região não forneceram informações para o levantamento.

O psicológico Ayr Bellinho Filho, que também trabalha no processo de recuperação de pacientes que estão deixando vícios, faz um diagnóstico assustador. Para cada dependente que busca auxílio para deixar o crack, outros quatro não têm a menor intenção de para de usar a droga. O problema é ainda maior quando observados os índices daqueles que estão em recuperação. De cada dez, apenas três conseguem deixar a droga sem recaídas. “Porque existe uma estrutura que precisa amparar quem está deixando o vício. De modo geral, o problema da drogadição é a falta de estrutura familiar e quando esta pessoa volta para o convívio da família e da sociedade após um internamento, ela nem sempre tem o amparo necessário. A estrutura necessária e assim acaba voltando para a dependência”, lamenta.

Falhas na estrutura e no acompanhamento

Ayr Bellinho tentou trazer para Cascavel um trabalho desenvolvido pela Cruz Azul, instituição de origem alemã que atua diretamente com dependentes. O projeto não prosperou. O psicólogo também tentou implantar na cidade uma especialização em Dependência Química, não viabilizada por pura falta de interesse. E essa falta de interesse é hoje a responsável pela epidemia vivida por centros como Cascavel.

De modo geral, o problema se concentra mais em municípios próximos da fronteira com o Paraguai, de onde vem boa parte da droga que abastece o Brasil. Este é o caso da pequena cidade de Entre Rios do Oeste. O Município tem apenas 4 mil habitantes, mas aparece em situação preocupante no Mapa do Crack. “Essa droga está em todos os lugares, em todos os cantos e em todas as classes sociais. Foi-se o tempo em que pensávamos que o crack era uma droga de quem mora na rua. Ele está em todos os cantos, mas aparece menos para quem mora nas mansões porque essas pessoas cuidam do visual no dia seguinte, disfarçam melhor o uso, apesar de que o usuário do crack logo fica evidente, porque quando ele está sob o efeito da droga fica chapado, e quando não está, fica desesperado pela pedra”, explica o psicólogo.

Para Ayr, se medidas emergenciais não forem adotadas, não se sabe o que o futuro nos espera: “Tudo começa na família. Os governos deveriam inserir Secretarias da Família nos municípios, nos estados, um Ministério da Família para tratarmos da estrutura familiar. Boa parte das dependências, do envolvimento com drogas não existiria se houvesse estrutura. Quanto à recuperação, os governos têm feito pouco, quase nada e só consegue fazer um tratamento quem tem dinheiro para pagar”, denuncia.

Sem epidemia?

Para a secretária de Saúde de Serranópolis do Iguaçu, Rosânegla Fiametti Zanchett, de fato não existem muitos registros de atendimentos de pessoas com dependência química na cidade, mas ela reconhece que a droga já apareceu e, como tudo é muito cíclico, não se pode dizer que Serranópolis está livre do crack. “Dentro da secretaria não temos uma pesquisa de atendimentos, mas temos pacientes atendidos e isso acaba sendo sigiloso entre o paciente e o médico. Sabemos que a cidade é pequena, mas o acesso à droga é fácil, então tudo pode mudar muito rapidamente”, afirma, ao defender que o alerta e a prevenção devem ser constantes.

Dizer não ao crack

E é de olho nesta epidemia que não para de crescer, que o escritor e músico Vangis Souza, em parceria com o ícone da garotada nos anos 1980, Daniel Azulay, elaboraram uma cartilha educativa e voltada para estudantes de escolas de todo o País intitulada Juntos dizemos não ao Crack e outras drogas.

O projeto está sendo disseminado pelo Brasil com o objetivo de prevenir, trabalhar com crianças e adolescentes que nunca tiveram contado com as drogas. “O objetivo é falar sobre todos os males causados pelo crack e outras drogas. A cartilha vem acompanhada de material pedagógico para ser trabalhada em sala de aula porque o foco precisa ser esta molecada neste celeiro que é a escola, não existe melhor lugar para se combater as drogas do que nas escolas”, afirma Vangis.

FALE COM DANIEL AZULAY

E você também pode falar com Daniel Azulay. Hoje, às 10h30, ele estará ao vivo na fanpage do Jornal O Paraná/ Hoje News para falar desse projeto, responder perguntas e esclarecer dúvidas. E, é claro, matar um pouco da saudade dos fãs. Você pode interagir enviando perguntas pelo Facebook.