PREMIAÇÃO COMPRADA?

Paranhos pagou R$ 2,6 mi a instituto que premiou Cascavel como “cidade excelente”

Contrato milionário firmado sem licitação entre Prefeitura de Cascavel e instituto que premia cidades levanta questionamentos sobre premiação  - Foto: Arquivo/Secom
Contrato milionário firmado sem licitação entre Prefeitura de Cascavel e instituto que premia cidades levanta questionamentos sobre premiação - Foto: Arquivo/Secom

Cascavel e Paraná -Cascavel avançou uma posição e agora é a segunda melhor cidade do Brasil, segundo o Prêmio Cidades Excelentes, que incentiva, reconhece e valoriza boas práticas de gestão para transformar a realidade dos municípios brasileiros e melhorar os serviços públicos prestados aos cidadãos. O prêmio, uma iniciativa do Grupo Band de Comunicação em parceria com o Instituto Aquila, foi recebido pelo prefeito Leonaldo Paranhos em solenidade realizada em Brasília.”

O texto inicial é a transcrição literal de matéria postada no dia 30 de novembro de 2022 no Portal do Município de Cascavel, mostrando que a metrópole do Oeste do Paraná avançou uma colocação após ter conquistado a terceira colocação, na mesma premiação, em 2021. O que chama atenção e levanta vários questionamentos é o fato de a Prefeitura de Cascavel manter contrato, sem licitação, com o Instituto Aquila que forneceu os parâmetros para a concessão da premiação.

Foto: Arquivo/Secom

Transparência

O ex-prefeito de Cascavel, Leonaldo Paranhos (PL), firmou contratos de R$ 2,6 milhões com o Instituto Áquila entre 2022 e 2023, o mesmo que, no período, premiou o município como destaque no “Prêmio Cidades Excelentes”. Documentos da transparência municipal mostram que os pagamentos foram feitos antes e depois da premiação.

Em 2022, Cascavel foi classificada como a segunda melhor cidade para se viver no Brasil entre os municípios com 100 mil a 500 mil habitantes. Em 2024, voltou a figurar entre os finalistas. Estes dois reconhecimentos ocorreram após os pagamentos feitos ao Instituto Áquila, sob justificativas de prestação de consultoria para “modernização da gestão pública”.

Segundo registros oficiais, apenas em 2022 foram emitidas nove ordens de pagamento de R$ 142,2 mil cada — totalizando R$ 1,28 milhão. As notas de empenho foram assinadas por Paranhos, pelo então diretor do Tesouro Municipal, Ildo Belim, e pelo secretário de Finanças, Edson Zorek. No ano seguinte, novos desembolsos em nove parcelas semelhantes somaram R$ 1,27 milhão.

Os contratos, firmados por meio de inexigibilidade de licitação, não detalham os serviços realizados nem apresentam justificativas técnicas claras para a escolha direta do Instituto Áquila, o que levantou questionamentos semelhantes em outras cidades.

Investigação

Em Cascavel, o tema tem movimentado antigos aliados e opositores de Leonaldo Paranhos. O vereador Lauri da Silva (MDB) informou que elabora um requerimento à Prefeitura para obter detalhes sobre os serviços prestados pelo Instituto Áquila, além da lista de servidores que teriam participado de cursos. “Quero me inteirar sobre essas ações de Ministérios Públicos em outros estados que questionaram a inexigibilidade de licitação. Eu mal comecei a mexer com isso e já querem me derrubar”, declarou, se referindo a pressões de aliados do ex-prefeito.

Já a vereadora Bia Alcântara (PT) declarou que também pretende questionar o contrato. “Precisamos averiguar porque é o dinheiro público que deveria ser investido na população. Como legislativo, estamos estudando como o mandato vai atuar, se vamos provocar o Ministério Público, que é quem deve agir mais diretamente.”

Outros municípios “premiados” também contrataram Instituto Aquila sem licitação

O modelo adotado em Cascavel — contratação direta, sem licitação, de um instituto que posteriormente premia a gestão — tem se repetido em diferentes municípios do país com os quais o Instituto Áquila firmou contratos, revelando um padrão que levanta suspeitas sobre a lisura dos processos.

Em Pato Branco (PR), a Prefeitura firmou contrato de R$ 1,95 milhão com o Instituto Áquila em 2022, também por inexigibilidade de licitação. Embora a contratação tenha sido encerrada no início de 2023, a cidade foi premiada em duas categorias naquele mesmo ano.

Em Americana (SP), um contrato de R$ 2,5 milhões sem licitação firmado em 2022 levou o Ministério Público de Contas a questionar sua legalidade. O Tribunal de Contas do Estado apontou ausência de justificativas técnicas que sustentassem a dispensa do processo licitatório. Ainda assim, a cidade recebeu o título de “excelência” no mesmo período.

Casos semelhantes foram registrados em Palmas (TO), que repassou R$ 4,8 milhões ao instituto entre 2013 e 2016 — valores que motivaram investigações. Em Manaus (AM), o Tribunal de Contas interveio para barrar uma contratação em 2019, também sob questionamentos legais. Já em Divinópolis (MG), um contrato de R$ 1,3 milhão firmado sem concorrência pública gerou reação do Ministério Público de Contas por falta de justificativa para a exclusividade. E, em Timóteo (MG), um repasse de R$ 2,1 milhões levou o tema ao plenário da Câmara Municipal. “É um valor exorbitante para fazer gestão em cima de gestão. Eu não entendi o fundamento certo dessa empresa até agora”, declarou a vereadora Renara Cristina (Novo).

Foto: Foto: Reprodução Portal da Transparência

Instituto se defende, mas site aponta vínculo com premiação

O Instituto Áquila nega qualquer influência no resultado do prêmio. Em nota à reportagem, afirmou: “O Instituto Áquila não interfere na seleção, avaliação ou premiação do ‘Prêmio Band Cidades Excelentes’, cuja condução é de responsabilidade exclusiva do Grupo Bandeirantes de Comunicação. Não há relação entre a celebração de contratos com o Instituto Áquila e o resultado do certame, sendo as decisões da premiação independentes das contratações públicas”.

Entretanto, o próprio site institucional do Áquila descreve a premiação como uma iniciativa do Grupo Bandeirantes “em parceria com o Instituto Áquila”, e destaca que os critérios técnicos utilizados se baseiam na Plataforma IGMA — ferramenta de avaliação municipal criada e mantida pela própria empresa. Ou seja, ainda que a Bandeirantes assine o reconhecimento público, o instituto tem participação direta na elaboração do ranking técnico que sustenta os resultados.

Sem resposta

A reportagem ainda questionou que tipo de serviços foram efetivamente prestados ao município de Cascavel durante a vigência dos contratos; se o instituto considera uma coincidência o fato de diversas prefeituras que contrataram seus serviços posteriormente receberem prêmios; e quantas cidades premiadas nas edições anteriores da premiação já haviam contratado a consultoria do Áquila. Porém, nenhuma destas perguntas foi respondida pela empresa.

A reportagem procurou a Prefeitura de Cascavel e o ex-prefeito Leonaldo Paranhos, mas não obteve resposta até o fechamento da matéria.

Acesso à informação

A equipe de reportagem, com respaldo jurídico, utilizou os instrumentos fornecidos pela Lei de Acesso à Informação para buscar, com exatidão, todos os serviços prestados pelo Instituto Aquila ao Município de Cascavel. Diversos servidores municipais questionados pela reportagem afirmaram não conhecer o instituto ou não quiseram se manifestar, sempre pedindo que suas identidades não fossem reveladas com receio de possíveis retaliações.

A Prefeitura de Cascavel, embora ainda esteja dentro do prazo legal, ainda não respondeu aos questionamentos formulados.

Por Guilherme Mendes e Vanessa Nilsson

Especial para O Paraná