Um estudo sobre honestidade publicado por acadêmicos americanos e suíços atraiu a atenção social. Ao deixarem como se tivessem sido perdidas 17 mil carteiras com diferentes valores financeiros em seu interior ao redor de 355 cidades em 40 países distintos, os pesquisadores tinham como objetivo desafiar a teoria racional econômica que sugere que não só indivíduos de forma geral teriam uma tendência a se apropriar do bem perdido, como também essa probabilidade seria maior quanto mais elevado o valor contido em seu interior.
O resultado do estudo cumpriu seu objetivo. Desbancando o suposto óbvio, as pessoas tiveram uma tendência maior de devolver as carteiras aos seus donos quanto maior o valor contido no bem encontrado.
Para muitos, esse comportamento pode parecer estranho e até mesmo duvidoso, mas você pode acreditar nesse resultado. O grande ponto é que para que essa pesquisa faça sentido é importante darmos uns passos atrás a fim de compreendermos melhor por que as pessoas se comportam dessa maneira e quem são aqueles que optam por devolver um objeto esquecido em vez de escolherem um “ganho fácil”.
Certamente não são todos os seres humanos que se encaixam nesse comportamento. Alguns pensarão que o objeto que “caiu em seus colos” recheados de valor é um “presente divino” ou utilizarão a famosa frase “achado não é roubado” para embolsar os pertences de terceiros. Mas essa não é uma visão geral. De maneira ampla, o ser humano tem a tendência a querer se perceber como correto no seu dia a dia tendo a sua autopercepção de honestidade intacta e, dessa forma, não costumam agir de maneira que fira essa identificação.
Sentir-se desonesto, neste caso se apropriando de dinheiro que sabem não serem os donos, dificulta a sensação de que podem encostar a cabeça no travesseiro ao fim do dia a fim de dormirem o “sono dos justos” e, por essa razão, evitam ficar em posse de algo que não lhes pertence. Essa é uma condição bastante comum quando falamos de dilemas éticos.
E esse efeito certamente se amplia quando falamos de um valor financeiro mais elevado. De forma geral, podemos ver a situação da seguinte forma: achar uma moeda na rua e pegá-la não fere a percepção individual de honestidade da maior parte da população. O baixo valor e a cultura que temos sobre a pouca representatividade das moedas pouco interferem no julgamento moral de alguém que se apropria indevidamente desse objeto. Uma nota de dez reais já pode levar algumas pessoas a questionarem se devem ou não pegar o papel moeda.
Se falarmos de cem reais, por exemplo, muitos já buscarão identificar o dono, pois, no pretexto de que esse valor elevado pode fazer falta a alguém, já não nos sentimos tão corretos em ficar com o dinheiro.
Imaginem quando falamos de uma carteira, onde é possível a geração de empatia e identificação do indivíduo prejudicado ao vermos seus documentos. Agora temos um nome, uma foto e sabemos exatamente quem estamos potencialmente lesando. Já não se trata mais de um valor pouco significativo solto no tempo e no espaço. Na mente humana padrão, essa ação passa a ser percebida como uma apropriação indevida.
A pesquisa que avaliou diversas culturas mostra o quanto esse efeito é, de forma geral, um fator intrínseco à moralidade humana. Como citei, certamente há indivíduos que, com maior flexibilidade, analisam economicamente a situação e se apoderam de valores que não lhes pertence, mas, de forma geral, como apresentam diversas teorias sobre a construção moral, o ser humano não depende exclusivamente de controles externos para balizar sua conduta.
O grande aprendizado que devemos tirar de um estudo tão rico como esse proposto pelos pesquisadores é que lembretes éticos que reforçam a autopercepção de honestidade podem ser mais eficazes no controle a ilicitude do que punições. É certo que a contravenção precisa ser condenada e punida quando ocorre, mas, como elemento preventivo, gerar consciência e criar esse conflito entre agir errado versus me sentir bem comigo mesmo pode ser uma força ainda muito pouco usada por empresas e sociedade a fim de impedir desvios de conduta.
Antonio Carlos Hencsey é psicólogo e sócio responsável pelas áreas de Cultura, Comportamento Ético e Education da Protiviti