É possível conciliar compromisso absoluto de respeito aos direitos humanos com a busca de enfrentamento minimamente eficiente à corrupção? Seriam esses interesses complementares e harmônicos ou apresentam valores e finalidades contrapostas?
A relevância do assunto em foco comparece indisputável, inclusive tendo em vista que o Dia Internacional contra a Corrupção é festejado em 9 de dezembro, ao passo que o Dia Internacional dos Direitos Humanos é comemorado no dia seguinte, 10 de dezembro, o que indica desde logo a extrema proximidade entre os problemas da corrupção e das violações de direitos humanos.
A verdade é que, se os direitos humanos forem satisfatoriamente reconhecidos e garantidos, haverá drástica redução dos níveis de corrupção.
Pesquisas comprovam serem os países que menos respeitam os direitos humanos exatamente os que ostentam maiores índices de corrupção, havendo relação de causa e efeito entre as duas variáveis, o que se dá, entre outros motivos, por fatores ligados ao nível da democracia, prosperidade, tamanho da população etc.
O efetivo respeito aos direitos humanos inegavelmente é imprescindível ao combate à corrupção, o que se visualiza mais nitidamente quando se trata de direitos ligados ao acesso à informação e às liberdades de expressão, de associação e de imprensa etc. Esses interesses representam meios de supervisão e enfrentamento das práticas de corrupção, tanto aquelas empreendidas por particulares como por agentes públicos.
Por outro lado, não é difícil constatar situações em que direitos humanos, tais como os relacionados à proibição de remoção compulsória, à liberdade pessoal, à liberdade de expressão e à integridade dos povos indígenas, sejam violados por intermédio de atos de corrupção estatal. O pagamento de suborno a agentes públicos, por exemplo, é meio frequentemente utilizado para interferir negativamente em favor de grandes empreendimentos que desrespeitam direitos de populações tradicionais, sobretudo em relação à propriedade originária de terras.
Nesse contexto, ganha contornos de prioridade assegurar ambiente livre de ameaça e violência para com o exercício da liberdade de expressão de todo aquele que investiga, informa e denuncia atos de corrupção, sejam agentes estatais, jornalistas, defensores de direitos humanos, líderes sociais, sindicalistas, líderes de povos indígenas e comunidades tradicionais, ou mesmo qualquer um do povo.
Registre-se que os direitos políticos inscritos no artigo 23, 1, a, da Convenção Americana de Direitos Humanos, garantem aos cidadãos, através de suas entidades representativas, participar diretamente da direção dos assuntos públicos, o que no Brasil é realizado pela instituição e funcionamento dos Conselhos de Direitos, formuladores de políticas públicas e controladores das ações governamentais em todos os níveis. A interferência positiva de diferentes segmentos que compõem a sociedade civil organizada, tanto na fiscalização como na elaboração de políticas públicas, tem ajudado a reprimir práticas estatais arraigadas como o clientelismo, o patrimonialismo, a corrupção e o autoritarismo, exigindo, especialmente, a transparência das informações financeiro-orçamentárias. Portanto, a manutenção de tais espaços públicos, tema que tem constado na agenda dos promotores e procuradores de Justiça de Direitos Humanos, mostra-se imprescindível ao combate à corrupção.
Há direitos humanos que, segundo alguns estudiosos, não apresentariam conexão com o combate à corrupção, tais como discriminação contra a mulher ou a LGBTIfobia. Porém, os subscritores deste artigo discordam de tais conclusões. Há pesquisas que indicam exatamente o oposto: nos países em que há menores índices de desigualdade de gênero os negócios governamentais são mais éticos.
Os interesses do enfrentamento à corrupção e do integral respeito aos direitos humanos são complementares e harmônicos, porque é inconcebível imaginar-se o cumprimento satisfatório de um deles de modo isolado, em detrimento do outro. As duas concepções operam em conjunto, são duas faces da mesma moeda, de modo que uma abordagem integral deve ser levada a efeito para que se enfrentem os problemas da corrupção e as violações de direitos humanos de modo mais profícuo, sempre na perspectiva da instalação de uma sociedade progressivamente melhor e mais justa.
Por fim, cumpre lembrar que o combate à corrupção não é um fim em si mesmo, restando indisputável que, além de se evitar o desvio ou alcançar-se a devolução de recursos obtidos com as práticas ilícitas, necessário ocorrer a adequada utilização destes na implementação de políticas públicas capazes de materializar os direitos humanos já prometidos no nosso ordenamento jurídico, sobretudo no bloco de constitucionalidade de que fazem parte os tratados internacionais que o Brasil internalizou.
De nada adiantaria eficaz combate à corrupção se os recursos públicos, ainda que aplicados de forma lícita, continuarem sendo utilizados para atender os interesses de grupos detentores do poder econômico e político, em detrimento dos melhores interesses da sociedade, especialmente das suas camadas que se encontram afastadas da possibilidade do exercício dos direitos elementares da cidadania. Ambas as iniciativas, tanto o combate à corrupção como a defesa dos direitos humanos, em verdade contribuem para o mesmo resultado, isto é, para a diminuição do sofrimento humano e para a elevação dos níveis de dignidade e qualidade de vida de todos.
Ana Carolina Pinto Franceschi é promotora de Justiça do Caop (Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça) de Proteção aos Direitos Humanos; Olympio de Sá Sotto Maior Neto é procurador de Justiça e coordenador do Caop de Proteção aos Direitos Humanos; Rafael Osvaldo Machado Moura é promotor de Justiça do Caop de proteção aos Direitos Humanos