Cotidiano

Zoe Partington-Sollinger, arquiteta: 'Acessibilidade deve ser algo posto em prática todo dia'

201607111704167260.jpg “Sou deficiente visual, casada e tenho três filhos. Em 1992, formei-me em Arquitetura e Mídia. Fiz mestrado em História da Arte e Design na Universidade de Birmingham (Inglaterra). Sou gerente de arquitetura do projeto Inside Out, que reúne arquitetos e artistas com deficiência para explorar formas de concepção de espaços acessíveis.”

Conte algo que não sei.

Fui assistir a espetáculos de dança por anos. Ficava entediada e pensava: realmente não gosto disso, não é para mim. Mas, quando tive acesso às descrições das apresentações em áudio, passei a achar incrivelmente poético, encantador. A dança virou outra coisa, algo completamente excitante. Em 2012, na cerimônia de abertura dos Jogos de Londres, houve um programa maciço para que todos tivessem acesso àquela experiência e, assim, sentirem-se mais envolvidos.

Como atrair a pessoa com deficiência para as artes?

Quando você usa descrição por áudio, fica mais interessante para todos. Um deficiente visual não entende ópera, mas, com essa ferramenta, começa a compreender muito mais. Se, em um museu, um quadro tem um tamanho maior, é mais fácil tocar e sentir. Acessibilidade deve ser algo posto em prática todos os dias.

Quais os principais desafios para adaptar uma cidade para a acessibilidade?

Há muitas coisas que têm que mudar. Você precisa que o sistema de transporte esteja preparado para receber um portador de deficiência, para que a pessoa possa se locomover de forma independente. Os Jogos são uma oportunidade de ponto de partida. A princípio, você (os governantes) pode decidir cinco ou seis rotas que sejam completamente acessíveis, para então tentar ampliar a estrutura. É preciso ser estratégico e realista. Estive no Museu do Amanhã, e aquela grande área no entorno é um fantástico exemplo. É o que precisa ser feito em toda a cidade.

Por que há, usualmente, tão pouco investimento direcionado a pessoas com deficiência?

Temos ouvido há muito tempo que portadores de deficiência não têm valor, que são um problema, que custam dinheiro. Se você esconde essas pessoas, não é preciso lidar com a questão. É assim que as pessoas pensam, ou pensavam. Mas a sociedade evoluiu e percebeu que mais igualdade melhora a vida não só dos que têm alguma deficiência, mas a de todos. Ainda é difícil, porque os portadores de deficiência são oprimidos, não têm acesso a todos os direitos, não estão empregados e não têm o mesmo poder na tomada de decisões. Mas isso está mudando.

Participou de alguma atividade da Olimpíada do Rio?

Ajudamos com um programa de transformações, como ampliar o trabalho de audiodescrição em diversas esferas culturais, por exemplo. Começamos em São Paulo e depois mudamos para o Rio, para trabalhar com o setor cultural local. Por meio da rede Unlimited, criada para favorecer esse intercâmbio cultural, as instituições começam a conversar sobre mudanças, sobre incluir portadores de deficiência.

Há algum novo movimento dessa rede em mente?

Já estamos a caminho do Japão para os Jogos de 2020, em Tóquio. Teremos artistas portadores de deficiência de Reino Unido, Japão e Brasil trocando experiências e trabalhando juntos pelos próximos quatro anos para que tenhamos mais avanços. Isso é muito empolgante.

O que é mais importante para promover a inclusão?

Pensar em incluir a todos. Algumas vezes, as pessoas, os próprios governantes, não sabem o que é inclusão. Você continua discriminando, até de maneira institucional. É preciso entender quais os desafios para as pessoas com deficiência e para a cultura pública nesta área para que sejamos capazes de fazer as coisas mudarem. E a Olimpíada é uma grande oportunidade para isso.