Cotidiano

Xan López Dominguéz, escritor e desenhista: 'Crianças precisam apenas de respeito e tolerância'

“Nasci em Lugo, na Espanha, em 1957. Sou autodidata. Estudei História da Arte porque não tinha convicção como desenhista. Depois de mais de 300 livros, sigo aprendendo. Sempé e Jaques Tati foram minhas inspirações. Jorge Amado também tem uma influência enorme no meu trabalho. Sou fã de Chico Buarque.”

Conte algo que não sei.

A primeira sensação que tive do Rio de Janeiro é que o cheiro da cidade me lembra Portugal. Viajei muito em Portugal para pesquisar música brasileira. É quase impossível encontrá-la na Espanha. E o pão, que não é francês, é português.

Qual é a importância dos livros infantis na educação?

Não fabrico livros para educar, mas para divertir. A literatura é uma vantagem na formação. Uma criança, hoje, recebe milhares de estímulos. Num videogame, a criança fica sentada e o jogo trabalha por ela. Um livro exige um mínimo de esforço. A literatura é como o cinema, um bom jogo ou uma pintura. Mas uma pintura divertida, porque há muitas entediantes e chatas. Como existem filmes maravilhosos e divertidos e outros insuportáveis. O que busco como ilustrador é criar algo divertido, uma obra que entretenha a criança, que ela queira seguir virando as páginas, que seja acessível. Não escrevo para leitores do futuro, mas para leitores do presente. A primeira coisa que busco numa obra que produzo é que seja prazerosa para mim. Então, sei que pode dar prazer a outros também. Se não houver diversão, não faz sentido.

A arte feita para adultos também deve ser apenas para entretenimento?

Ao contrário das crianças, nós, adultos, temos um defeito muito grande: somos cheios de preconceitos. Apreciamos as obras já com o ranço de ideias prévias impregnado em nossas cabeças. Se a arte não se adapta ao que pensamos, ela nos choca. Por isso prefiro escrever para o público infantil. E o que vejo no Brasil é um frescor enorme, com crianças cheias de vitalidade. São mais espontâneas do que as espanholas. Vocês têm uma capacidade enorme de surpreender.

Já pensou em escrever para o público adulto?

Atualmente escrevo mais do que ilustro. Trabalho agora em um romance que se passa em 1934, no clima de tensão europeu com a ascensão do nazismo. É um tema brutal, meu primeiro trabalho para adultos. É um período histórico tão dramático que não há como abordá-lo de forma suave.

Como vê o problema do preconceito crescente na Europa contra imigrantes?

Naquela crise que a Alemanha vivia, eles colocaram a culpa de tudo nos judeus, o que era um absurdo. O perigo é quem faz o mesmo raciocínio agora, colocando a culpa nos imigrantes. Estão criando um coquetel de situações e sentimentos muito perigoso na Europa. Houve um atentado brutal em Madri há 12 anos. Saímos às ruas para protestar, para viver nosso luto coletivo, e muitos muçulmanos também estavam ali e sofriam. Quase 800 mil muçulmanos vivem na Espanha, e apenas 12 participaram do ataque. Não podemos culpar todo um grupo religioso pelo extremismo irracional de uma minoria. O que mais me preocupa é a ultradireita europeia, que ganha força. Na Espanha, felizmente, é raro ouvir um discurso racista ou xenófobo.

A literatura pode ser um meio de mudança social?

A literatura, assim como a arte em geral, pode ensinar tudo. Abre um novo mundo, mostra as injustiças da sociedade. O futuro é a formação das crianças. O maior patrimônio de um país são os jovens. Quanto melhor cuidamos das crianças, melhor será o futuro. Elas precisam apenas de respeito e tolerância. E depois aprender a exigir, de seu governo, de sua sociedade. A cultura pode ensinar muito sobre civilidade, como um manual ou convite para conhecer coisas novas.