Cotidiano

Vitória de Trump gera incertezas sobre formação de equipe e parceria com o Brasil

US-VOTE-REPUBLICANS-TRUMP-politics-GP1307LRC.1.jpgBRASÍLIA – Embora diplomatas observem que tradicionalmente a relação entre Brasil e Estados Unidos foi mais fácil quando a Casa Branca era ocupada por um republicano, partido do presidente eleito Donald Trump, a vitória do magnata preocupa as autoridades brasileiras pela forma ainda desconhecida de como se dará a interlocução com o governo americano daqui para frente. Integrantes do governo sentem que trabalharão num terreno pantanoso, imprevisível.

No Palácio do Planalto e no Itamaraty, a democrata Hillary Clinton era secretamente tida como preferida na disputada eleição americana. Uma fonte diplomática pontua que os republicanos sempre tiveram posições claras e bem delimitadas, enquanto os democratas são ?mais volúveis?.

? Trump não pode ser considerado um republicano. Ele é alguém que fala tudo o que lhe vem à cabeça, sem papas na língua, num país obcecado em ser politicamente correto. Isso pode dificultar não apenas a relação com o Brasil, mas com qualquer governo. ? diz o diplomata.

No Itamaraty, questiona-se também sobre a montagem da equipe de Trump, caso vença.

? Hillary já foi primeira-dama por oito anos, foi senadora, foi secretária de Estado, já formou diversas equipes ao longo dessa trajetória. Sabemos que a democrata saberá lidar com uma situação de crise. Trump é um desconhecido. Vai chamar quem para compor governo? O amigo apresentador de TV? ? pegunta a fonte do Itamaraty.

O presidente Michel Temer e seus principais ministros políticos acompanharam passo a passo o desenrolar da disputa. Assistiram aos debates e discutiram com aliados as polêmicas e reviravoltas durante a campanha.

DÚVIDAS SOBRE GABINETE

Reservadamente, interlocutores de Temer admitem que o atual governo ?tem mais identidade com a candidata democrata?. Oficialmente, no entanto, o discurso é que, não importa quem vença o pleito, o Brasil retomará a tradição de ter com os americanos uma parceria intensificada.

? Independentemente do resultado, o Brasil é um parceiro tradicional dos Estados Unidos. Seja um presidente democrata ou um republicano, a relação será a mesma ? disse o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha.

Foram recebidos com perplexidade pelo governo brasileiro os áudios revelados pela imprensa americana de diálogos, de 2005, entre o republicano e um apresentador de TV nos quais Trump diz que pode agarrar a mulher que quiser pelos órgãos genitais só porque é famoso. No último encontro que Temer manteve com o ex-presidente Fernando Henrique, participantes da conversa afirmaram que eles falaram longamente sobre o caso e se disseram chocados.

Especialistas consideram que a eleição americana terá impactos pequenos sobre o Brasil, por exemplo, com relação a imigração e relações comerciais. Para eles, a América do Sul não está entre as prioridades da política externa dos Estados Unidos, preocupada principalmente com o Oriente Médio, a Ásia e a Europa. E os dois países ainda precisam ampliar as relações econômico-comerciais, que pouco avançaram nos últimos anos.

Além disso, o partido do presidente americano não tem feito muita diferença nas relações bilaterais, e o avanço dos principais temas discutidos entre o Palácio do Planalto e a Casa Branca independe do clima político na capital americana. O ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos Roberto Abdenur alerta, por outro lado, que a vitória do republicano Donald Trump pode significar uma escalada protecionista que afetaria também as exportações brasileiras.

? A economia mundial está crescendo pouco e o comércio internacional cresce menos ainda. Esse problema será agravado se Trump puser suas ideias em marcha, o que certamente afetará o Brasil. Ele levaria o protecionismo a um nível extremo, grave. O presidente americano tem poderes para denunciar e romper acordos sem anuência prévia do Congresso. Seria desastroso ? afirma o diplomata.

O professor Carlos Pio, do curso de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), afirma que a vitória republicana preocupa pelas incertezas. Ele crê que a política externa de Hillary Clinton seria uma continuidade daquela do presidente Barack Obama.

? Quem irá manejar a engrenagem do governo Trump? A gente não sabe. A máquina republicana nunca esteve com Trump e se afastou ainda mais nas últimas semanas. Isso traz incertezas para todo o planeta. Mas o Brasil não está na alça de mira de ninguém ? disse o professor.

PARCERIA DE PESO

Os EUA são o segundo maior parceiro comercial do Brasil, atrás apenas da China. Até setembro, o Brasil já havia exportado mais de US$ 17 bilhões para os americanos, 12,2% de todos os embarques registrados no país. Na comparação com o mesmo período de 2015, a queda das exportações para os americanos já chega a 6,4%, mesmo com a queda do dólar, que costuma impulsionar vendas para o exterior. A balança, no entanto, é deficitária para o Brasil. Até setembro, o país já comprara dos americanos US$ 17,7 bilhões.

? É uma relação comercial que pode e precisa ser ampliada. Sobretudo para produção industrial brasileira, a relação com os Estados Unidos é muito importante ? afirma o professor de Relações Internacionais Guilherme Casarões, da Fundação Getulio Vargas e da ESPM.

(*) Estagiário sob supervisão de Francisco Leali