Cotidiano

Vencedores do Prêmio Sesc de Literatura participam de mesa paralela na Flip

PARATY — Criado em 2003, o Prêmio Sesc de Literatura se destacou no cenário nacional por selecionar e divulgar a obra de autores inéditos. Neste ano, os vencedores vieram do Nordeste: José Mario Rodrigues (Pernambuco), de 38 anos, que levou a categoria Conto com o livro “Receita para se fazer um monstro”, e Franklin Carvalho (Bahia), de 47 anos, premiado pelo romance “Céus e terra”. Na sexta-feira, às 20h, os escritores participam de uma mesa no Centro Cultural Sesc Paraty, com mediação de Henrique Rodrigues, organizador da premiação, que publicará os livros ganhadores pela editora Record.

De acordo com José Mario, o grande valor está no fato do prêmio “julgar apenas a qualidade literária do trabalho”, que é enviado sob pseudônimo. Alguns dos nomes revelados pelo Sesc são Alexandre Rodrigues (finalista do Jabuti no ano passado) e Marcos Peres e Débora Ferraz (ambos vencedores do Prêmio São Paulo de Literatura, em 2014 e 2015, respectivamente.

— Eu já tinha sido finalista e recebido uma menção honrosa. Ganhar foi a sensação de dever cumprido, assim como aquela emoção do velho clichê, quando você demora um pouco para processar a informação. Depois de tanto bater na trave, finalmente consegui fazer o gol — diz o escritor, que leciona português, redação e literatura em um curso pré-vestibular em Garunhuns, no interior de Pernambuco.

Seu livro, uma reunião de 94 contos, investiga a origem da maldade a partir de histórias sobre a infância.

— O leitmotiv é um personagem sem nome, uma criança dos anos 1980, que narra experiências de maldade entre as atividades de qualquer menino daquela época, como soltar pipa, rodar peão ou jogar bola. Há violência em muitos desses momentos, não era como o suposto mundo politicamente correto em que vivemos hoje — explica José Mario, que dá um exemplo de uma “Receita para se fazer um monstro” — Há uma passagem na qual um garoto, após perder seu papagaio, como nós chamamos a pipa, numa disputa de cerol na rua para um amigo, decide se vingar matando o papagaio do colega. Essa crueldade contra um animal está a apenas um passo de ser utilizada contra uma pessoa.

Já o romance de Carvalho foi criado a partir de uma pesquisa que o autor fez sobre a antropologia da morte.

— Venho do sertão da Bahia, onde os ritos funerários e a Semana Santa são tradições muito dolorosas, que sempre me assustaram. Então, quando me lembrei dos escritos de Patrick Chamoiseau (escritor francês oriundo da Martinica), resolvi transformar o material de minha investigação em ficção — conta o jornalista baiano, que já trabalha em outro projeto literário. — Estou escrevendo um livro de contos sobre o Brasil, que vive um momento muito “Terra em transe”. Saio de um tema chamado grande, como a morte, para abordar o cotidiano.

Para o coordenador do prêmio, o resultado de dois vencedores do Nordeste é um dado positivo:

— Cerca de 30% dos inscritos são de São Paulo, assim como 70% dos autores que se candidatam são homens. Ano passado, duas mulheres venceram, Marta Barcellos e Sheyla Macedo. Ficamos bastante satisfeitos com esses dois últimos resultados. Agora vamos torcer para mais concorrentes da região Norte — diz Rodrigues, após um sarau organizado pelo departamento de letras da UFF, na Câmara Municipal de Paraty, na noite desta terça-feira, onde Marta leu um de seus contos.

José Mario acredita que o mundo literário brasileiro contemporâneo ainda gira muito na órbita do eixo Rio-São Paulo.

— É como se o autor tivesse que passar por essa chancela para ser lido e reconhecido. Mas é uma visão que está sendo subvertida. E o prêmio desse ano ajuda a jogar mais luz nos escritores daqui. Eu costumo desenhar um ponto e fazer um círculo com um raio de 250km para meus alunos. E digo para eles: aqui estão inseridos nomes como Graciliano Ramos, Manuel Bandeira, João Cabral de Melo Neto, Clarice Lispector, Gilberto Freyre e Nelson Rodrigues. O peso literário do nordeste é muito grande.