Cotidiano

Universo ?geek? vira coisa de menina

INFOCHPDPICT000059321326RIO – A calçada da vila na Zona Oeste do Rio logo fica repleta de brinquedos. Elis, de 5 anos, arruma em fila e cita o nome de cada um dos muitos bonecos de estimação. Entre heróis e vilões, há Homem-Aranha, Flash, Darth Vader, Cyborg, Coringa, Batman e Hulk, em miniatura e tamanho real ? da própria menina, vestida ela mesma como o grandalhão verde do Universo Marvel. Nem mesmo uma Elsa ou Branca de Neve para contar história (de contos de fadas).

? Olha, agora estou com outra ? mostra aos vizinhos Elis, orgulhosa depois de aparecer com uma nova fantasia, desta vez do vilão-mor de Star Wars.

A capa preta e a máscara de Darth Vader em nada atrapalham o desempenho dela no bambolê. Tampouco a pecha de que super-herói, ou malvado, são itens do repertório masculino. Embaladas por filmes de célebres histórias em quadrinhos, franquias como Star Wars e um amplo mercado de videogames, meninas de todas as idades têm ampliado a definição do chamado mundo geek.

? Ela devia ter 2, 3 anos quando me pediu para ir na festa de carnaval da creche vestida de Super Choque, um herói negro que na época adorávamos. Era o auge do ?Frozen? e quando chegamos era um mar de Elsas, fadas e borboletas. Pensei: ?Como vai ser agora??. Mas ela se divertiu explicando de quem ela estava vestida ? lembra Renata Morais, mãe de Elis e de Luisa, de 15 anos, alheia ao mundo nerd.

No caso de Elis, a intimidade com superpoderes e tramas de vilania ajudou a quebrar barreiras além das de gênero.

? Ela já sofreu preconceito por todos os lados: por ter o cabelo afro e pela pele mais clara. Já foi chamada de branca de cabelo duro. De cara, a Elis quebra três padrões no universo geek: é menina, usa o cabelo natural e é criança ? afirma Renata, da produtora Crespinhos S.A., voltada ao segmento afro infantil. ? Ela adora se fantasiar, principalmente de vilão. Todo ano é um personagem diferente. Neste, fiz duas versões da Tempestade (dos X-Men).

Ainda sem definição nos dicionários daqui, a gíria inglesa geek define os fãs ardorosos de tecnologia, videogames ou jogos de tabuleiro, histórias em quadrinhos, livros, filmes, animes japoneses e séries. O comum a todas essas frentes é que seus amantes têm uma curiosidade quase inesgotável por determinados temas. O que, convenhamos, é tudo o que um professor mais busca em um aluno.

? Crianças podem aprender brincado, de forma lúdica. Se oferecemos uma atividade que a trate com respeito, valorizando sua inteligência e seu discurso, quase sempre ela responde de forma positiva. Um amante de quadrinho pode vir a ser um designer, assim como um interessado em outros planetas vai aprender e não decorar o conteúdo científico ? diz Juliana Rodrigues, educadora e produtora do Mundinho Geek, que reúne neste domingo, em Botafogo, pais e filhos apaixonados pelo universo.

Fisioterapeuta por formação, Caroline Conceição nunca se considerou uma nerd ?convicta?. Mas viu a temática preencher o dia a dia da casa com a paixão de sua filha Gabrielle, de 11 anos, por mitologia japonesa e super-heróis. Na semana passada, passou os dias preparando lembrancinhas para a festa de aniversário da filha, cujo tema foi o game ?Minecraft?.

? O jogo tem um aspecto bem legal de ensinar conceitos de programação para crianças. Para o ano que vem, ela já me pediu uma festa de ?Naruto?, uma série de mangá japonês. Mas também já teve ano em que ela quis Barbie. Ela adora cortar as roupas das bonecas e transformá-las em heroínas. Deixo a criatividade fluir ? conta a mãe. ? Ela quer entender mais dos temas, busca informações sobre o que a interessa. Acho interessante a curiosidade dela sobre os assuntos. Tem sido um saldo positivo, independentemente de rótulos.

2016 918146907-201606212245368802.jpg_20160621.jpgJá Bia Siqueira, produtora e editora do blog Pac Mãe (qualquer semelhança com o clássico game Pac-Man não é mera coincidência), passou por DNA a paixão por jogos e séries para sua filha, Alice.

? Eu coleciono bonequinhos de Lego e sempre usei como enfeites na minha sala. A Alice sempre soube que não são para brincar. Até quando eu lhe dei o primeiro Lego, e ela me perguntou: ?Mas isso é de criança?? (risos) ? lembra. ?Para ela sempre foi muito natural esse mundo.

Bia conta que as partidas de videogame ajudaram a filha na coordenação motora, e os quadrinhos incentivaram o gosto pela leitura:

? Ser nerd é mais do que gostar de cultura pop e games. É gostar de aprender as coisas e de estudar. É aquela pessoa que vai ver um filme e volta para casa querendo saber tudo sobre aquilo.

SABRES DE LUZ E ESTRELAS DA MORTE

Membro do Conselho Jedi Rio de Janeiro, a analista de mídias sociais Priscila Ferreira é só orgulho da sua pequena. Olívia, de 2 anos, pediu como tema de sua festa de aniversário em julho a saga criada pelo cineasta americano George Lucas.

? Perguntei se ela queria se fantasia de Princesa Leia, mas ela quis ir de Darth Vader. Agora, estou improvisando uma fantasia ? conta Priscila. ? Esse lance de menina nerd sempre existiu, mas as redes sociais fortaleceram muito essa cultura. E como estamos desconstruindo conceitos, fica mais fácil. Quando eu era pequena, quis fazer artes marciais e meus pais não deixaram. ?Menina tem que fazer balé?, diziam. Hoje não existe mais isso.

Que a Força esteja com vocês, meninas.