Cotidiano

Sem empregos e em crise, desespero atinge milhões em cidade chinesa

SHENYANG, China ? Pouco tempo depois do amanhecer, depois de tomar um pote cheio de mingau e deixar o filho na escola, Zhang Yuzeng foi até uma esquina próxima ao Rio Nanyun. Lá, sob a sombra de um álamo ele mexia em sua caixa de ferramentas. Alicates, ok. Marreta, ok. Maço de cigarros, ok. Zhang pendurou uma placa na bicicleta ? ?Eletricista, carpinteiro, encanador? ? e começou a ouvir música eletrônica no fone de ouvido. Ali ele esperou. ?Não tem outro jeito. Se não venho, não ganho um tostão.?

Quase todas as manhãs dos últimos dois anos, Zhang, de 42 anos, fica ali divulgando suas habilidades em busca de trabalho no mercado de Lu Yuan, em Shenyang, uma das maiores cidades do nordeste da China. Mas até pouco tempo atrás seus prospectos eram muito melhores: um dia pintando paredes ou arrumando banheiros podia render US$50 ou mais.

Mas a economia perdeu força e, em algumas partes do nordeste do país, entrou em recessão. Trabalhos temporários se tornaram escassos em Shenyang. Os restaurantes estão dispensando e as empresas de construção civil têm dificuldades para pagar os funcionários. Nos poucos empregos que restam, a diária caiu para menos de US$30.

No mercado de Lu Yuan, os dias começam com uma promessa silenciosa, a medida que centenas de trabalhadores se reúnem às margens do Rio Nanyun antes do amanhecer, fumando cigarros, comendo sementes de girassol e contando piadas.

Entre eles há cozinheiros que já foram famosos por comandar buffets, mas que agora passam fome durante a noite, e empregadas que passam os dias arrumando armários cheios de roupas, mas que dormem em quartos esquálidos que custam US$1,50 por noite. Os trabalhadores carregam placas e mostram suas ferramentas, exibidas sempre que um carro se aproxima.

No início da tarde, depois que os garis limparam as últimas embalagens de plástico jogadas pela manhã e as vans da construção civil desapareceram, os trabalhadores vão para casa. Alguns caminham pelas ruas, deprimidos e derrotados.

Shenyang, com uma população de mais de 8 milhões de pessoas, já foi uma cidade em franco crescimento, com a economia crescendo mais de 10 por cento em 2012. Mas pressionada pela desigualdade social e pela desaceleração da indústria, a economia perdeu força; no ano passado, o crescimento foi de apenas 3,5 por cento.CHINA_JOBS_SHORTAGE_8.JPG

Zhang saiu do interior aos 18 anos, quando veio para Shenyang. Habilidoso com cabos elétricos, ele se acostumou a trabalhar praticamente todos os dias.

Agora, às vezes fica a semana toda sem trabalho. Ele teme que a esposa, que é garçonete, se separe dele. Os dois têm um filho de 10 e uma filha de 20 anos; agora, os US$3 mil que guardaram estão acabando.

?Estou triste. Sou um homem de mais de 40 anos, e não sou capaz de fazer minha família feliz?.

Em outra esquina, Zhao Yan, viúva de 58 anos, lutava para conseguir a atenção de possíveis empregadores em seus carros. Ela é pintora, mas afirmou que para os mais velhos está cada vez mais difícil encontrar trabalho, especialmente porque muitos são analfabetos. Ela usava um boné azul com o símbolo do Super-homem para se destacar da multidão.

?É como uma guerra. Os chefes escolhem a dedo. E preferem os jovens, não eu.?

Zhao disse que muitas vezes não tem dinheiro suficiente para comer e que geralmente se alimenta de salgados que custam poucos centavos. ?Outras pessoas podem comer arroz, pra mim sobra só o mingau?, afirmou.

Em uma calçada próxima a um toldo, um grupo de trabalhadores da construção civil abriu ovos cozidos no chá. Eles diziam que viviam em ?lantian luguan?, o ?hotel do céu azul?, ou seja, nas ruas.

Ainda assim, muitos têm certeza de que a economia vai se recuperar.

?Não dá para ser sempre desse jeito. É como mercado de ações. Depois de uma queda, ele se recupera. O problema é que a gente nunca sabe quanto tempo vai demorar, especialmente para as pessoas comuns. O destino está nas mãos do Estado?, afirmou Huang Wei, eletricista de 58 anos.

Zhang estava sentado em um banquinho, ouvindo música e conversando com amigos durante o dia todo. Ele havia polido e organizado suas ferramentas, guardando-as em toalhas e sacos plásticos.

Quando uma BMW 740Li preta parou na rua, Zhang e muitos outros eletricistas se dirigiram à janela do passageiro. Um homem precisava de ajuda para pendurar uma lâmpada. Depois de alguns minutos de conversa, o carro foi embora: O homem não queria pagar mais de US$30 e os trabalhadores disseram que a distância era muito grande para valer a pena.

Em dias como esse, Shenyang fica especialmente cinzenta. O rio flui devagar. Discussões e brigas ocorrem sempre que aparece trabalho, muitas vezes de forma violenta. As pessoas falam em resolver os problemas se jogando no rio. Geralmente é brincadeira.

Zhang contou que muitas vezes se sente frustrado com a incerteza do mercado de trabalho. Quando era criança em um vilarejo no leste da província de Shandong, sonhava em se tornar soldado. Mas sua família não tinha os contatos necessários para que ele ingressasse no serviço militar, e também não cursou o ensino médio.

Quando se mudou para Shenyang em 1991, suas ambições cresceram novamente e ele se tornou carpinteiro, pensando em um dia ser chefe. ?Eu era como um bezerro, que não aprendeu a ter medo dos tigres?, afirmou, citando um provérbio chinês.

Agora, afirmou Zhang, sua única oportunidade era voltar todas as manhãs ao mercado de Lu Yuan, mesmo com poucas chances. ?Não tenho outra opção?, afirmou.

Uma amiga apontou para a água. ?A outra opção é o rio?, afirmou.