Cotidiano

Reino Unido é acusado de não ter estratégia clara e realista para Brexit

may johnson farage - afp, reuters, reuters.jpgLONDRES – Três meses depois de ser eleita para liderar o mais complexo processo político e econômico já enfrentado pelo Reino Unido no pós-guerra ? a saída da União Europeia (UE) ? a primeira-ministra Theresa May vê seu poder ser desafiado por pressões internas e externas que dificultam ainda mais o caminho do Brexit.

Reino Unido – 16.11

Ela prometeu ativar em março do ano que vem o Artigo 50 do Tratado de Lisboa, que dá início à retirada do bloco europeu, prevista para durar dois anos, mas divisões internas no Partido Conservador e a impaciência crescente do Parlamento e dos vizinhos europeus, além das evidências de que o governo estava totalmente despreparado para colocar o Brexit em prática, complicam os planos da premier. O governo italiano definiu a estratégia de May como caótica, enquanto a oposição falou em ?desordem total?, dando o tom das críticas à confusa condução do rompimento com a UE.

Questionada pelo líder trabalhista Jeremy Corbyn, que mencionou o vazamento de um relatório apontando divisões internas no Gabinete e a falta de direção política clara sobre o processo, a primeira-ministra garantiu, em sessão no Parlamento, que o governo está unido e pronto para negociar a saída do bloco europeu. Membros da UE, no entanto, afirmam que a equipe de May está perdida.

O ministro do Desenvolvimento Econômico da Itália, Carlo Calenda, afirmou que até agora os europeus não entenderam o que o Reino Unido pretende. Já o holandês Jeroen Dijsselbloem, presidente do Eurogrupo (que reúne os ministros das Finanças da UE), rejeitou a intenção britânica de deixar o bloco sem perder as vantagens econômicas dos países-membros.

Embora o chanceler britânico, Boris Johnson, tenha afirmado que isso seria possível, Dijsselbloem foi taxativo: não existe acesso ao mercado único sem a livre circulação de cidadãos. O controle da imigração é um dos pontos principais do Brexit, reflexo da onda nacionalista que vem reforçando a influência da extrema-direita na Europa.

? Ele (Johnson) está dizendo coisas que são intelectualmente impossíveis e politicamente inviáveis. Ele não está oferecendo ao povo britânico uma visão realista sobre as opções disponíveis e o que pode ser alcançado ? reclamou Dijsselbloem, acrescentando que as negociações serão extremamente complexas e devem durar muito mais do que dois anos.

DECISÃO NÃO DEVE SER REVISTA

No início do mês, a Alta Corte do Reino Unido decidiu que o país não poderá acionar o Artigo 50 sem a aprovação do Parlamento. O anúncio foi uma derrota para May. Ela apelou à Suprema Corte, que deve dar seu veredicto em dezembro, mas a única mulher a integrar o corpo de 12 membros da mais alta instância judicial do país, Brenda Hale, sinalizou que o Executivo terá dificuldades para derrubar a decisão. Em visita à Malásia, a juíza admitiu a possibilidade de o tribunal complicar ainda mais os planos do governo, exigindo que o Brexit seja precedido de uma revisão mais abrangente da lei de 1972 que permitiu a própria adesão britânica à UE.

Apesar dos obstáculos, analistas acreditam que May manterá a promessa que fez ao substituir David Cameron, em julho: ?Brexit significa Brexit?. Ou seja, é pouco provável que a decisão seja revista.

? O mais provável é que o Brexit aconteça, mesmo que tenha que passar pelo Parlamento. É improvável que os conservadores votem contra a decisão. A posição do Partido Trabalhista é não se opor, embora alguns deputados do partido e oito do grupo liberal-democrata prometam votar contra. Eles veem a votação no Parlamento mais como uma maneira de forçar o governo a esboçar um plano para a UE ? disse Robert Ladrech, professor de Política Europeia da Universidade de Keele.

Corbyn exigiu que a primeira-ministra esclareça quantos funcionários públicos serão necessários para colocar o Brexit em prática, e disse que os ministros estão desorientados. Documento de consultoria publicado pela imprensa britânica falou em 30 mil pessoas e pelo menos 500 projetos sendo tocados ao mesmo tempo.

? Revelar todos os detalhes das negociações com os outros 27 membros da UE seria a melhor maneira possível de conseguir o pior de todos os resultados para nosso país. É por isso que não vamos fazer isso ? reagiu May, numa troca acalorada de acusações no Parlamento.

BUSCA POR SAÍDA MENOS TRAUMÁTICA

Johnson, grande estrela da campanha pelo Brexit, tem percorrido as capitais da UE para negociar uma saída menos traumática, mas não se sabe ainda como o governo pretende se relacionar com o bloco. As discussões se dividem entre uma retirada suave ? conhecida como ?soft Brexit? ? e uma mais radical ? a ?hard Brexit?. A primeira opção significaria deixar a UE, mas continuar se beneficiando da isenção tarifária. Para isso, no entanto, Londres precisaria respeitar o princípio básico do bloco: livre movimentação de capital, bens, serviços e pessoas.

Já uma ruptura total, com controle da entrada de imigrantes e independência de Bruxelas, deixaria os britânicos sem acesso ao mercado único, o que poderia provocar uma recessão. Pesquisa divulgada ontem indicou que 90% dos britânicos defendem o livre comércio com a UE, enquanto 74% apoiam o controle da imigração. A combinação das duas coisas não será aceita por Bruxelas.

? Não entendo como seria um Brexit suave. Ou você está dentro da UE, usufruindo dos benefícios e aceitando as responsabilidades, incluindo as que não agradam, ou você está fora do bloco. Uma posição pela metade é implausível ? avalia Nick Witney, analista do Conselho Europeu para Relações Internacionais.

Os esforços diplomáticos de Johnson têm sido desastrosos. Em visita à Itália, ele deu declarações ofensivas, insinuando que os italianos ?venderão menos prosecco? se abrirem mão dos negócios com o Reino Unido. A vitória do protecionista Donald Trump nos EUA ameaça também as relações bilaterais entre os dois parceiros históricos.