Cotidiano

Rachel Handley, psicoterapeuta: ?Aprendemos a alimentar as emoções com comida?

?Sou de Curitiba e moro em Las Vegas há mais de 30 anos. Comecei o curso de Serviço Social aqui e terminei lá, pela Universidade de Nevada, onde fiz também mestrado em psicoterapia. Tenho pós-graduação em dependências químicas. Sou especializada em bariatria. Há 12 anos, trabalho com

Conte algo que não sei.

A maioria das pessoas é compulsiva com a alimentação, mas nem sabe disso. Com a industrialização da comida, estamos viciados em guloseimas e só quando há um problema de saúde prestamos atenção. O problema de as pessoas engordarem e se tornarem obesas não está no estômago e na boca, mas na mente. É nossa caixa de comando.

O que está por trás de uma compulsão alimentar?

A compulsão alimentar virou um vício, uma dependência da qual a pessoa não está nem ciente. Geralmente, tem a ver com as emoções. Desde o berço, aprendemos a alimentar nossas emoções com a comida, mas é inconsciente. Levou um tombo, brigou com alguém, vêm logo mãe, tio, avó ou pai e dão uma bala, um chocolate. Se a gente está triste, come; estressado, entediado, come. Já tivemos muitos pacientes que chegaram a perder 150kg com a cirurgia bariátrica e, depois de quatro anos, recuperaram tudo. A mente é que precisa da cirurgia.

É mais difícil do que fechar a boca?

É muito importante a gente se conscientizar da diferença entre fome física e fome emocional. Quando alimentamos o corpo com comida, sentindo a fome emocional, causamos dois problemas: não lidamos com o sentimento e ingerimos calorias de que não precisamos. A fome física acontece três vezes por dia, geralmente, que é o tempo que leva a digestão, de quatro a cinco horas. Se almocei e depois de duas horas estou com fome, eu penso que estou com fome. Não é fome física, é fome emocional. Durante anos, até entender isso, a gente se alimenta inconscientemente e, então, vira uma compulsão. Aí é difícil mudar isso.

Mas há médicos que indicam comer a cada três horas.

Há muitos estudos nos Estados Unidos e no Brasil comprovando que isso não é saudável. Até o Conselho Nacional de Nutrição já fala veementemente que não é saudável. O argumento é simples: quem precisa de exercício físico é o seu corpo. Basicamente, o que você faz quando come a cada três horas é colocar o sistema digestório na academia, o que vai acelerar o metabolismo e queimar gordura. O sistema digestório vai trabalhar dobrado.

Recomenda alguma dieta para enfrentar a compulsão?

Não, o foco do trabalho é a mente. Para dieta, há muita informação, até na internet. É uma mudança de estilo de vida: aprender a comer para viver, e não viver para comer. Para isso, lançamos a meta 80/20: 80% do tempo comer o que o corpo precisa para ser saudável e 20% o que desejamos. Geralmente, as pessoas fazem o contrário.

É tudo uma questão de equilíbrio?

É o tal do equilíbrio. O corpo não precisa de comidas requintadas, cheias de molho. A saúde precisa das coisas simples. Mas daí vêm nossos desejo e paladar, que estão deturpados com a industrialização da comida. O desejo alimentar não é fome física, é emocional. Estudos comprovam que quatro bocados pequenos satisfazem um desejo.

O brasileiro come bem?

Hoje você já não vê o brasileiro comendo tanto arroz e feijão. São lanchinhos, congelados, comidas processadas. É o fast-food, cheio de caloria, gordura. Ninguém tem tempo de ficar cozinhando. É o que está causando obesidade no mundo. Voltar às raízes é o mais saudável. Desde o início do mundo, até cem anos atrás, o que o povo comia? O que a terra dava. Hoje, não. Tem criança que nem sabe que fruta nasce em árvore.