Cotidiano

Point cultural do Centro, sebo Al-Farabi fecha as portas

17574158_Rio Gastronomia Rio de Janeiro 27-07-2012 - Livraria Al Farabi. Foto Rafael Moraes- Ag.jpg

RIO ? Na última sexta-feira, a Livraria Al-Farabi estava em clima de ?Bar
esperança?, o filme de Hugo Carvana, de 1983, cujo pano de fundo é um bar de
Ipanema que fecha as portas para ser derrubado e se tornar um edifício. Depois
que os proprietários da charmosa livraria do Centro do Rio ?que também funciona
como cervejaria e restaurante ? divulgaram nas redes sociais, na última semana,
a notícia de que encerrariam as atividades por conta da especulação imobiliária,
os frequentadores assíduos rumaram para o local cheios de indignação e carinho.
Contavam histórias que fizeram do local um dos points de uma geração de
escritores, livreiros, estudantes, alfarrabistas e leitores em geral, com
eventos sempre ligados à literatura e à música brasileira (havia sempre um vinil
na vitrola entre os livros). Faziam brindes, lamentavam a decisão, cantavam
juntos, exatamente como no emblemático longa de Carvana. Ao final, cada freguês
que pagava a conta levava a coproprietária, Evelyn Chaves, às lágrimas.

? O clima foi de despedida, e tinha que ser mesmo ? diz Evelyn, que encerrará
as atividades no dia 28. ? O fechamento é muito simbólico para o Rio, porque é
um dos últimos sebos que ainda existem nessa área toda, promovendo sempre muitos
eventos.

Aberto em 2004 em um quase bicentenário casarão da Rua do Rosário, o
Al-Farabi tentou se diversificar para acompanhar todas as tendências do mercado
livreiro nos últimos anos, mas ainda assim não conseguiu mais enfrentar a crise
do país e o aumento vertiginoso dos aluguéis na área que, desde a Copa do Mundo,
assombra os micro-comerciantes cariocas.

Quando os sebos virtuais começaram a concorrer com os físicos, reinventou-se
como uma livraria-bar e, depois, restaurante. Em seguida, foi um dos primeiros
estabelecimentos da cidade a apostar alto na venda de cerveja artesanal. Para
driblar a crise financeira, vinha recebendo todo tipo de eventos, de rodas de
choro a lançamento de livros, passando por feiras gastronômicas, como a Junta
Local.

No ano passado, as obras para a
Olimpíada, que isolaram com um paredão de metal parte da Praça XV, prejudicaram
as vendas. Mas foi o aluguel do espaço, agora batendo na casa dos R$ 13 mil, que
inviabilizou o negócio, explica Evelyn:

? O fato é que, em doze anos,
nunca vimos uma crise como esta.

Assim que a notícia se espalhou, habitués do ?Alfa? usaram as redes sociais
para lamentar o fechamento. O historiador Luiz Antonio Simas, que deu cursos
sobre carnaval, samba e macumbas e lançou livros no local, lembrou que o sebo
transformou um pedaço da região ?quando ali não havia praticamente nada?. Ele,
que diz ter tomado a primeira cerveja do estabelecimento e garante que irá tomar
a última, lembrou de uma ?inovação? promovida por seus frequentadores. Simas e
os escritores Alberto Mussa trocaram boa parte dos livros de suas bibliotecas
por um crédito etílico. ?Rigorosamente bebi uma biblioteca no Alfa?.

Mussa, que calcula ter ?bebido?
pelo menos cinco mil livros em cerveja, se diz ?pessoalmente abalado com a
tragédia?.

? O fim do Alfa é como a queda de
um castelo ? diz o autor. ? O exército invasor é o da especulação imobiliária e
o do capital sem rosto, multiplicador de franquias. Mas o Alfa cai de pé. Até
porque aquele trecho da Rua do Rosário não teria a alma que tem hoje, se não
fosse o Alfa. Os vencedores perderão muito mais.

O bota-fora do Al-Farabi está
marcado para último sábado do mês com uma roda de choro com Zé da Velha,
Silvério Pontes, Daniela Spielmann e Paulão Sete Cordas. O jornalista e escritor
Fernando Molica também teve a ideia de promover um evento de ?relançamento? de
livros antigos de vários autores identificados com a casa ? eles compraram suas
próprias obras e as venderão abaixo do preço. O lucro será usado para ajudar no
pagamento dos funcionários da casa.

? Esperamos que sirva de estímulo
para que o sebo possa ser reaberto em outra situação ou local. É uma esperança ?
diz Molica. ? Mas também serve para ressaltar a importância do Alfa. Muito
triste que ele, que tanto ajudou na convivência da cidade com o seu porto, feche
justamente no momento em que o Centro do Rio está recuperando sua ligação com o
mar. Além de tudo, o Alfa funcionava como um ponto de encontro importante para
troca de ideias, à maneira de antigas livrarias como Garnier e São José. Sem
precisar marcar, encontro lá pessoas como (os jornalistas e escritores)
Alvaro Costa e Silva e Marcelo Moutinho e o (cartunista) Cassio Loredano.

Ao contrário de muitos ex-donos de sebos, Evelyn e o sócio e cofundador,
Carlos Alves, não pretendem continuar vendendo livros pela internet. Haverá uma
?queima? no dia do fechamento ? tudo pela metade do preço ? e o que sobrar será
doado.