Cotidiano

Pesquisa coordenada por Jessé de Souza se debruça sobre a exclusão social para entender consumo de crack

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RIO – Em meio a um clima de incerteza sobre os rumos da política de drogas com as transições de governos a nível municipal e federal, um estudo qualitativo sobre o uso do crack encomendado pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad) e coordenado pelo sociólogo Jessé de Souza foi apresentado, na última sexta-feira, na Escola Nacional de Saúde Pública, na Fiocruz, no Rio. “Crack e exclusão social” é resultado da realização de mais de 200 entrevistas em profundidade com usuários de crack e agentes institucionais de regiões metropolitanas do Sul, Sudeste e Nordeste, analisados por uma equipe de 17 pesquisadores ? a maioria das Ciências Sociais.

O estudo aprofunda qualitativamente os dados revelados, em 2013, na “Pesquisa nacional sobre o uso do crack” e, conforme indica o próprio título, tem a exclusão social como ponto chave para entender ? e lidar com ? a dependência da droga. Há capítulos sobre o uso do crack na “ralé” ? conceito trabalhado há algum tempo por Jessé de Souza ?, na classe média e no ambiente rural, além das posturas religiosas e midiáticas diante do tema. O trabalho foi distribuído em centros de pesquisa e universidade e está sendo agora adaptado para módulos de ensino a distância para profissionais que lidam rotineiramente com usuários de crack.

? Curiosamente, o aspecto mais visível da cena de uso do crack nas ruas ficou geralmente em segundo plano nos debates sobre a droga: a profunda situação de miséria do usuário. Foi essa deficiência que nos fez procurar um grupo de sociólogos, que talvez venha fazendo o trabalho mais original, e polêmico, na área da exclusão social no Brasil ? afirmou Leon Garcia, diretor de Articulação e Projetos da Senad à época em que o estudo foi encomendado.

Segundo Roberto Dutra, sociólogo da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF) e membro da equipe, um conceito fundamental para pensar as abordagens ao usuário do crack é o de “crédito social a perder de vista”: as instituições devem apostar e cobrar melhoras do usuário, mas de uma forma “realista e generosa” que tire a rigidez desta resposta ? algo como um “pague quando puder”. Uma postura, aliás, que está na prática, mas não na teoria, das comunidades terapêuticas religiosas.

? A abstinência é uma regra nestes lugares, o que é uma abordagem punitiva e disciplinadora. Mas o que pude observar é que, na prática, os agentes religiosos dão o crédito social a perder de vista. Contra todas as expectativas, em uma visão que as comunidades religiosas encarceram o indivíduo, encontramos uma realidade ambígua, em que os usuários se sentem acolhidos ? apontou Dutra, ressaltando porém a necessidade do Estado, e não a religião, pautar as políticas públicas sobre drogas.

A gestão dos governos, aliás, foi assunto que permeou o evento na Fiocruz. Algumas declarações do ministro do Desenvolvimento Social e Agrário, Osmar Terra, foram apontadas com preocupação, assim como os riscos de encerramento de programas de referência na abordagem ao usuário de crack como o Braços Abertos, na cidade de São Paulo, e o Atitude, em Pernambuco ? João Dória, prefeito eleito para a capital paulista, já avisou que não vai prosseguir com o projeto da gestão anterior.

A Fiocruz, por meio do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnologia em Saúde (ICICT), se prepara agora para analisar os dados coletados em entrevistas para o 3º Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira, escolhido pela Senad por meio de concorrência em edital e ainda sem previsão exata para publicação.