Esportes

Para quem pratica futuros esportes olímpicos, a luta por 2020 já começou

Toda vez que Lucas Bruno, de 14 anos, reclama que está
com dor nas costas ou nas pernas, a mãe dele, Rogéria Silva dos Santos, dá um
analgésico e aponta para a bandeirinha do Japão presa na geladeira: ?Filho, você
não quer ir para lá??. A pressão tem dado certo. Lucas, mesmo nos dias em que o
corpo grita devido ao treinamento pesado, não perde as aulas de caratê do
professor Carlos Santana, o Carlinhos, dentro de uma igreja evangélica ao lado
da comunidade onde mora, a Vila Ideal, no Centro de Duque de Caxias. Ele
coleciona títulos no esporte ? foi cinco vezes campeão estadual, bicampeão
internacional no Arnold Classic Brasil e bicampeão brasileiro na sua categoria ?
e sonha alto. Para o professor, se continuar assim, ele estará nos Jogos de
Tóquio, em 2020. O caratê foi incluído no hall das novas modalidades olímpicas
pelo COI, junto com surfe, escalada, skate, beisebol e softbol (os dois últimos,
na verdade, voltarão após duas edições fora).

AULAS SEM VERBA PÚBLICA OU PATROCÍNIO

O anúncio enche de esperança adeptos desses esportes no
estado. Muitas vezes, praticados em condições difíceis. No caso do caratê, ficam
em Caxias a federação estadual (que funciona na Vila Olímpica) e também o
principal celeiro de atletas no estado. Tudo graças à iniciativa pessoal de
Carlinhos, de 58 anos, e que há 40 dá aulas de graça, sem patrocínio ou verba
pública. Com seis filhos caratecas e nascido na favela Vila Ideal, a antiga
?comunidade do lixão?, o professor está à frente de 300 alunos de caratê (de
crianças a idosos) no projeto Igreja no Tatame, que funciona na Igreja Cristo é
Vida. Sua fonte de renda vem, na verdade, do trabalho como cabeleireiro.

? Corto cabelo, faço balaiagem, maquiagem… Desde criança
sou cabeleireiro e lutador ? diz ele, que espera ter na próxima Olimpíada ?três
ou quatro atletas?.

O esporte terá duas modalidades nos Jogos: kata (espécie de luta imaginária,
individual) e kumite (de combate).

A promessa de Carlinhos é séria: ele já formou muitos campeões, como Juarez
Silva dos Santos, atual presidente da federação e que ganhou o ouro nos Jogos
Pan-Americanos do Rio, em 2007.

Este ano, em São Paulo, disputarão a final do
brasileiro, em diferentes categorias, três atletas do projeto: Lucas Bruno e
João Santana (filho de Carlinhos), de 14, e Carlos Fausto, de 10. Mãe de Carlos,
a técnica de enfermagem Luana Aparecida, de 33 anos, fez plantões extras de até
36 horas para arcar com os custos da etapa classificatória, em maio em Goiás. Só
com hospedagem, ônibus e inscrição da criança, desembolsou R$ 1.700.

? Quando ele vê a Olimpíada na TV e diz ?mãe, isso é o
meu sonho?, eu falo ?filho, eu tô aqui para investir em você”. Vale muito a pena
ver o filho fazendo o que gosta. E o caratê trabalha muito a disciplina e o
respeito ? conta ela, que suspira imaginando o menino em 2024.

O projeto é mantido pelas famílias, por caratecas mais
velhos e fiéis. É na ?vaquinha? que todo o material ? incluindo os quimonos ? é
comprado.

A ausência de incentivo também ronda o beisebol no Rio.
O fato de não ser nada popular torna qualquer investimento ainda mais
complicado. Os amantes do esporte tem só um espaço público no estado: uma quadra
na Lagoa, que hoje está ocupada pelo Baixo Suíça. Justamente na Olimpíada, a
turma teve que guardar as luvas e os tacos. Alguns têm usado os campos de pelada
para treinar.

O campo da Lagoa já tem suas limitações: é bem menor que
o apropriado, e vez ou outra a bolinha voa para fora e atinge um carro. Mas o
problema maior hoje é a falta de iluminação: quando cai a noite, não tem jogo. O
espaço ainda precisa de uma boa drenagem, para acabar com as poças.

O Consulado da Suíça promete entregar o campo de
volta até novembro todo reformado, ?dentro de padrões internacionais?. Seria um
legado deixado por eles.

Com a elegância exigida pelo beisebol, a designer gráfica
Ana Beatriz Boller, de 21 anos, entre uma jogada e outra na semana passada num
campo de pelada na Lagoa, dizia não ver a hora de essa reforma sair.

? Nossa reivindicação maior é uma melhor iluminação para
podermos expandir a quantidade de treinos. O campo sendo mais utilizado aumenta
a visibilidade do esporte ? avalia.

No Brasil, o beisebol é mais comum em São Paulo, de onde
saiu o jogador Paulo Orlando, hoje na principal liga americana. No Rio, não há
uma categoria de base. Treinam na Lagoa cerca de 200 pessoas de 15 equipes de
beisebol e softbol (jogado com uma bola maior e num campo menor).

? Com o campo agora ocupado, tivemos que adiar o projeto
de vasculhar as escolas do entorno para formar uma liga infantil. Nossa ideia é
ter mais de 200 crianças treinando, e assim dar o pontapé inicial para
fortalecer os times adultos ? explica Erick Nakano, de 37 anos, fundador do time
Cariocas e presidente da federação do Rio, dizendo que não há atletas hoje do
estado na seleção brasileira de beisebol.

Muitos chegam ao campo da Lagoa pelos desenhos
japoneses:

? Via na TV e procurei na internet se tinha no Rio. Isso
foi há quatro anos. Foi amor à primeira vista ? diz a estudante de física na
UFRJ Nadine de Campos, de 19 anos, para quem o beisebol é interessante pela sua
perfeição técnica. ? A dinâmica é defender e atacar. É muito tático, você
precisa ser frio e calculista.

Outro novo esporte olímpico que vai na contramão das
grandes paixões como o futebol é a escalada.

? É uma grande ironia: embora a gente tenha
muitos praticantes, se perguntar por aí, a grande maioria das pessoas vai dizer
que não conhece ? comenta Flavia dos Anjos, diretora de competições da Federação
de Esportes de Montanha do Estado.

Ela explica que, no Rio, a escalada é muito mais
praticada pelos que ?vão para a montanha no fim de semana”.

? Mas quem pratica por hobby vai acabar competindo ?
acredita Flavia, afirmando que nas competições da federação há de 30 a 50
inscritos e que, nos Jogos, elas acontecerão em muros artificiais.

CIDADE GENEROSA PARA ESCALAS

Quem estiver a fim de levar a sério 2020, não terá do que reclamar em relação
a local de treinamento: embora não conte com um grande centro de treinamento, a
cidade tem mais de duas mil vias de escalada. Para o surfe, a cidade também é
generosa. O que falta mesmo é patrocínio para que os atletas possam competir e
para que uma versão carioca de Gabriel Medina apareça. Há dois anos, não
acontece no Rio o circuito estadual de nível profissional. Só há campeonato para
as categorias de base, de onde vêm as promessas.

? Com o surfe na Olimpíada, acho que vamos dar uma
reagida, com mais visibilidade e empresas interessadas. É preciso começar a
preparar o atleta hoje ? diz Abilio Fernandes, presidente da Federação de Surfe
do Rio de Janeiro (Feserj).

Os skatistas já estão de olho nas oportunidades. Lugar
para as manobras não é problema: a expansão do Parque Madureira vai contar com a
primeria pista vertical do Rio, com 4,70m de altura. A área é considerada o
melhor centro de treinamento do estado.

? Queremos uma associação para organizar o skate no Rio. Hoje não há um
circuito carioca sólido para classificar e ranquear os atletas do skate. E
queremos uma boa gestão dos espaços que estão surgindo ? afirma o skatista
carioca Nilo Peçanha, de 28 anos, forte candidato a embarcar para Tóquio, onde
serão disputadas duas modalidades: park (que acontece numa área com vários
bowls conectados) e street.