Cotidiano

Osmar Milito reclama da falta de locais com bons instrumentos

Há mais de dez anos, Osmar Milito e seu trio vêm animando as happy hours das terças e quintas-feiras, das 18h30m às 22h, no Grand Prix Piano Bar do Hotel Novo Mundo. São três horas e meia dedicadas à música brasileira, ao jazz e a um repertório internacional como raramente se ouve na noite do Rio. Aos 75 anos, Milito pertence a uma geração cujos músicos se davam ao luxo de escolher em que bar, boate ou sala queriam tocar.

? Já foi dito que o Brasil é um país sem piano ? observa ele, a propósito de um dos problemas de que os pianistas de hoje mais se queixam: a falta de instrumentos de qualidade.

Satisfeito por ter à disposição um Yamaha de meia cauda e uma clave nova, Milito fala pelos outros.

? Público para nossa música há ? garante. ? Fiz com o Mauro Senise (sax e flauta) um show de sopros, piano, baixo e bateria que lotou a Casa de Arte e Cultura Julieta Serpa, no Flamengo. O que não temos, no Rio, é local adequado para apresentação de grupos como os nossos.

Milito vê na especulação imobiliária a principal causa dessa carência.

? A especulação acabou jogando tudo para a Lapa ? diz ele. ? Nada contra o que se faz ali, samba, choro, música animada pela revitalização do bairro. Há até o caso da TribOz, uma casa dedicada ao jazz. O dono, trompetista australiano, consegue ser atendido no seu pedido de silêncio para que os músicos possam ser ouvidos. Mas é apenas uma exceção.

Milito se lembra do Mistura Fina como um dos últimos pontos de boa música na Zona Sul carioca. O proprietário, Pedro Paulo Machado, fez o possível para tombá-lo, mas perdeu a batalha e um edifício ergueu-se no lugar.

? O Mistura Fina não foi tombado, mas o Bar Lagoa, onde se vende salsicha, foi ? lamenta Milito. ? Além disso, a inviabilizar a criação de novas casas na Zona Sul há os preços. O Tom do Leblon, por exemplo, durou seis meses. Com um cheeseburger a R$ 100, não podia durar muito.

EXPERIÊNCIA NOS ESTADOS UNIDOS

A propósito de Pedro Paulo, foi dele a iniciativa de criar o Mistura Mar, no Prodigy Hotel, junto ao Aeroporto Santos Dumont, onde Milito, seu trio e cantoras chegaram a fazer curta temporada, o que pode se repetir no futuro. Para Milito, muito das casas que abrem e fecham, ou de artistas que vão e vem, está na maneira certa de se produzir uma show, uma temporada, uma carreira. Fala pela experiência de dois anos nos Estados Unidos, tocando por todo o país com Sérgio Mendes:

? Walter Wanderley (pianista e organista) foi pra lá, tocava em barzinhos e acabou não dando certo. Já Sérgio Mendes vendeu seus shows para universidades. São mais de 5 mil no país. Seu público podia chegar a 15, 20, 30 mil pessoas. Num de seus shows, no Hollywood Bowl, 5 mil foram vê-lo fazer um amostra de toda a música brasileira, samba, choro, ritmos nordestinos.

A carreira em disco, que começou muito bem para Osmar Milito, está hoje em recesso. Seu último CD foi bancado pelo Hotel Novo Mundo. Ele recorda a época em que gravava muito. Foi seu o primeiro CD de artista da Som Livre. Discos que vendiam muito, mas não eram os que ele queria fazer:

? Preferia gravar Jobim, bossa nova, essas coisas, a vender mais fazendo disco apenas pelo sucesso.

Duas cantoras se revezam na parte vocal dos shows de Milito. Às terças, Leila Maria, intérprete mais voltada para a canção americana. Indiana Nomma está às quintas. Mais eclética, canta não só bossa nova e jazz como música latina. Milito conta sua história:

? É uma cantora brasileira nascida em Honduras. O pai, homem de esquerda, escrevia os discursos de Francisco Julião. Com a ditadura, teve de sair do Brasil. A filha nasceu lá, mas foi criada aqui.

Há revezamento, também, entre os músicos que compõem o trio. Às terças-feiras, Sérgio Barroso (baixo) e Pascoal Meirelles (bateria). Às quintas, Alex Rocha (baixo) e Kim Pereira (bateria). Aos sábados, quando Milito vai a Niterói para uma noite instrumental, das 20h às 23h, no bistrô Grand Cru, Augusto Mattoso (baixo) faz dupla com ele.

Um parêntese aberto pelo próprio Milito conclui a conversa, levando o assunto para o futebol. Orgulhoso do pai, Miguel Milito, fundador de Corinthians e Palmeiras, explica que as origens não têm nada a ver com a rivalidade que, hoje, transforma as duas torcidas em inimigas.

? É que o Palmeiras, então Palestra Itália, foi fundado por dissidentes do Corinthians. Meu pai testemunhou tudo.