Cotidiano

O Brasil seria outro

O marechal Castelo Branco havia fechado os velhos partidos, do maior deles, o PSD, à UDN e ao PTB. Só podiam funcionar dois, o partido do ?sim? e o partido do ?sim, senhor?.

Formou-se logo a Arena, Aliança Renovadora Nacional, para onde correram todos os salvados do regime militar, sobrando os poucos deputados e senadores impossibilitados de aderir, dispostos a posicionar-se como oposição consentida, denominando-se como oposição consentida, denominando-se MDB, Movimento Democrático Brasileiro. Escolheram para seu presidente, não sem motivos, um desconhecido general, senador pelo Acre, herói da campanha da FEB na Itália, Oscar Passos. Logo vieram as eleições parlamentares e o velho não se reelegeu, por força da truculência do governo militar. Assumiu o vice-presidente, deputado Ulysses Guimarães, de São Paulo, ex-ministro da Indústria e Comércio do Governo Juscelino Kubitschek.

Graças a ele, desapareceu a ideia de o MDB se autodissolver como reação à ditadura militar. Pelo contrário, organizou a resistência e enfrentou as forças da reação.

Os ?autênticos? do MDB inventaram a história do anticandidato do partido, não para disputar a indicação do general Ernesto Geisel, imbatível dada a supremacia dos militares e da Arena, mas para aproveitar as brechas da lei eleitoral. Se a oposição lançasse um candidato, poderia valer-se da televisão, para a qual o MDB estava proibido, além de poder percorrer o país em campanha. A proposta era que renunciasse às vésperas da eleição indireta, pelo Congresso, demonstrando sua reação à ditadura. Pediram-me que procurasse o ministro Aliomar Baleeiro, do Supremo Tribunal Federal, nos últimos tempos um feroz adversário do regime. Em seu apartamento, ouvi do velho mestre longas considerações sobre a história do Brasil nos tempos do Império, mas nenhuma palavra sobre o convite. Entendi o recado. Horas depois, o dr. Ulysses telefona e, ao demonstrar que sabia de todos os passos dos adversários, surpreende com a afirmação: ?O Baleeiro não quer, mas como presidente do partido, eu quero.?

Não foi fácil aos autênticos engolir a proposta, mas acabaram aceitando, desde que o anticandidato a vice-presidente fosse Barbosa Lima Sobrinho, apesar dos setenta e muitos anos.

Só que depois de uma anticampanha heroica, chegou a hora da renúncia, com a qual o dr. Ulysses não tinha concordado nem discordado. Cobrado por Chico Pinto, Fernando Lyra e outros, pediu que atentassem para a História. E foi para a anti-eleição… São de sua inspiração as páginas mais lindas da literatura política brasileira: ?A caravela vai partir; as velas estão pandas de sonho e aladas de esperança. Posto no alto da gávea, espero um dia gritar: ?Alvíssaras, meu capitão. terra à vista. à Vista, a terra ansiada da liberdade!”

Nos estertores do regime militar, liderou a campanha pelas ?Diretas já?. Perdeu novamente, mas transformou-se na maior liderança política nacional. As oposições vitoriosas preferiram Tancredo Neves como candidato a presidente, e Ulysses curvou-se à natureza das coisas.

Pouco depois, sucumbiu à tragédia da vida, desaparecendo num desastre aéreo.

Permanece dele uma derradeira lembrança: o Brasil seria outro, se não tivesse partido…

Carlos Chagas é jornalista