Cotidiano

Número de pedidos de acordo de leniência aumenta 50%

Belo MonteBRASÍLIA ? O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) investiga, a partir de desdobramentos da Operação Lava-Jato, pelo menos cinco supostos esquemas de cartel que operaram na Petrobras; na Valec (empresa federal responsável pela construção de ferrovias); na construção da usina nuclear Angra 3; nas obras da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará; e na construção ou reforma de estádios para a Copa do Mundo de 2014.

Em todos os casos, empresas envolvidas nas denúncias de cartel manifestaram interesse em fazer acordos de leniência ? que são equivalentes à delação premiada feita por pessoas físicas ? ou assinar os chamados Termos de Compromisso de Cessação (TCCs)

Leniência

Com isso, está havendo uma grande corrida pelos acordos de leniência. O número de pedidos no Cade aumentou 50%, em comparação com três anos atrás. A Lava-Jato influenciou decisivamente nesta corrida. O mesmo ocorreu com os TCCs, uma espécie de subacordo de leniência.

No Cade, a leniência é acertada apenas com a primeira empresa que manifesta interesse no acordo, e que apresenta provas suficientes e convincentes do funcionamento do cartel, delatando as demais participantes do esquema. Em troca, ela se livra da multa administrativa por cartel, que fica em torno de 15% do faturamento bruto anual nos casos mais pesados.

Os signatários do acordo ? que precisam se comprometer a cessar a conduta ilegal, a denunciar e a confessar a participação no conluio ? contam com imunidade administrativa e criminal, se o Cade não tiver conhecimento anterior da infração.

A leniência isenta a empresa de fazer pagamentos. Outras firmas podem até colaborar na elucidação do cartel, mas apenas por meio dos TCCs, que não as eximem de multas. A assinatura deste tipo de termo permite somente um desconto entre 30% e 50% sobre o valor da infração.

O fato de só uma empresa poder fazer o acordo de leniência explica a corrida que está ocorrendo entre as envolvidas nos casos em que ainda não se chegou a um acordo com o Cade.

O número de TCCs saltou de 11 em 2010 para 58 em 2015. Isso fez turbinar a arrecadação pelo Cade, que destina o dinheiro para o Fundo de Defesa de Direitos Difusos. Em 2011, a arrecadação foi de R$ 30,5 milhões; no ano passado, alcançou nada menos do que R$ 524 milhões. Dados do próprio Cade mostram que os TCCs responderam por R$ 508,4 milhões desse total, o equivalente a 97% do valor arrecadado.

ACORDOS DECISIVOS NAS INVESTIGAÇÕES

Dos cinco cartéis investigados como uma derivação da Lava-Jato, dois ainda têm uma corrida de empresas pela leniência. São os casos do suposto conluio nas obras de Belo Monte e na construção dos estádios da Copa. As irregularidades foram noticiadas inicialmente a partir de delações de executivos das empreiteiras Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez na Operação Lava-Jato.

Fontes do governo dizem que empresas manifestaram interesse tanto na leniência quanto em eventuais TCCs nos dois casos. Outros TCCs estão sendo discutidos nos casos de cartéis em que já houve acordo de leniência.

Angra 3Os cartéis que supostamente atuavam na Petrobras, na Valec e em Angra 3 já têm empresas colaboradoras no Cade. Elas assinaram acordos de leniência considerados decisivos para as investigações. Todos os pactos no órgão são feitos em conjunto com o Ministério Público Federal (MPF). Foram fechados 50 entre 2003 e 2015.

O cartel da Petrobras teve como delatora no Cade a empreiteira Setal Engenharia e Construções. A Camargo Corrêa aderiu a um TCC no caso dos contratos com a estatal de petróleo e terá de pagar uma multa estipulada em R$ 104 milhões.

No caso do suposto cartel em licitações da Ferrovia Norte-Sul e da Ferrovia Oeste-Leste, ambas tocadas pela Valec, e de Angra 3, obra de responsabilidade Eletronuclear, a empresa que aderiu à leniência foi a Camargo Corrêa. As informações prestadas por ela resultaram, inclusive, numa operação da Polícia Federal para combater o conluio e desvios de verbas nas obras da Norte-Sul.

A corrida pela leniência está aberta no caso de Belo Monte e dos estádios da Copa, além de diferentes TCCs em curso. Somente o cartel relacionado à Valec envolve 37 empresas. No da Petrobras há 23 sob investigação. E no de Angra 3, tem 16 empresas sob suspeita.

Acordos de leniência no Cade são diferentes dos procedimentos em curso na antiga Controladoria Geral da União (CGU), atualmente chamada de Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle (MTFC). Diferem também de parte dos acordos existentes na força-tarefa da Lava-Jato no MPF em Curitiba. O governo federal, por meio do Ministério da Transparência, só assinou o primeiro acordo de leniência na última sexta-feira, com a empresa holandesa SBM.

O acordo com a SBM evitou a declaração de inidoneidade da empresa, que aluga plataformas de petróleo para a Petrobras. A companhia holandesa é suspeita de participação num esquema de propina. A leniência envolve pagamentos de R$ 1,12 bilhão, o que garantirá, em troca, a continuidade de contratos com o governo federal.

No Cade, a estimativa é que cada acordo de leniência gerou em média dois TCCs, com pagamentos de R$ 15 milhões em multas cada.

? A Lava-Jato provocou um volume enorme de trabalho. Hoje, oito pessoas cuidam dos acordos de leniência. Em 2014, eram três ? disse o superintendente-geral do Cade, Eduardo Frade Rodrigues, que não fala sobre propostas de leniência e de TCCs em andamento por conta de cláusulas de sigilo.

Rodrigues confirmou que o Cade, por lei, vai celebrar apenas um acordo de leniência por infração denunciada. Quem tiver interesse em colaborar pode assinar um TCC, segundo ele:

? As regras ficaram mais claras nos TCCs. As empresas têm de confessar, pagar multa, trazer provas das condutas. Os TCCs não precisam de assinatura do MPF, pois não há imunidade penal. O Cade poderá auxiliar o compromissário na interface com o Ministério Público, a fim de facilitar a negociação de um acordo de colaboração premiada.