Cotidiano

?Não há mais cadeia hierárquica?, diz secretário de Direitos Humanos do ES

64823516_PA Espirito Santo ES 10-02-2017 Crise na segurança do Espirito Santo na foto o secretário d.jpgVITÓRIA – No centro da crise da violência
no Espírito Santo, com a PM de um lado e o governo do outro, está um personagem
sem carreira e história na política. A atuação como negociador em dois episódios
recentes no estado ? a ocupação da sede do governo, pelo MST, e o movimento
Ocupa Escola por estudantes, ambos ano passado ? levou o secretário estadual de
Direitos Humanos, Julio Pompeu, a ser escalado pelo governador licenciado Paulo
Hartung como seu principal interlocutor nas negociações com mulheres e
associações de PMs. Professor de Ética na Universidade Federal do Espírito Santo
(Ufes), formado em Direito com doutorado em psicologia, Pompeu conta os
bastidores da mesa de negociação. Segurança ES

O senhor esteve em duas longas reuniões com
mulheres de PMs. Qual sua percepção delas?

A primeira coisa que salta aos olhos é a idade. Uma faixa etária que a média
não chega a 30 anos. O que nos permite deduzir que os maridos são policiais
novos. E não é fácil lidar com a pressão. São meninas, cansadas. Com sono, fome,
sem tomar banho, na porta do batalhão. Um grêmio estudantil com o peso do mundo
nas costas delas. Que racionalidade pode sair daí? Estamos tentando dizer para a
tropa: vocês ficam se escondendo atrás delas?

Quais foram os momentos mais tensos da
reunião de quinta?

Elas ficaram mais tensas quando dissemos que nossa proposta estava dada e que
as tropas tinham até as 6h da manhã (de ontem) para voltar às ruas. Que se não
voltassem, iniciaríamos a aplicação da lei. Nós sentamos com elas e com as
associações (de policiais). Para estas, está claro que passaram do limite, que o
recado foi dado. Olha só a situação: na reunião, um líder de associação inicia
um tom de acordo e diz, por exemplo, “Gente, há riscos, já deu”. Elas mandam no
WhatsApp: “Eles estão alinhados com o governo.”. Lá fora, quem recebe o “zap”,
centenas de uma vez, começa a mandar ameaças, inclusive de morte, para os caras:
“Seus vendidos etc.”.

O que o governo sabe do que se passa nos
quartéis?

Já houve na tropa uma total quebra da hierarquia. A PM é baseada em três
valores: hierarquia, disciplina e honra. As duas primeiras já foram para o
espaço. No quesito hierarquia, nós chegamos aos oficiais: “Botem seus soldados
na rua”. Muitos deram a ordem e foram ignorados. Outros nem deram a ordem para
não se desmoralizar. Além dos oficiais que incentivam. Dentro, perdeu-se
hierarquia. E fora também. As associações já não exercem a mesma liderança sobre
eles. Os quarteis estão num conflito entre a sensatez de quem quer voltar às
ruas e a insensatez de um movimento que já perdeu o sentido. Todo mundo já
entendeu o recado.

O que esse os praças dizem quando os
superiores pedem para voltar às ruas?

Não há mais cadeia hierárquica. O principal argumento é ressentimento.

Ressentimento de quê?

Contra a sociedade que não valoriza o policial. Que tem um trabalho difícil,
ganha mal e morre pela sociedade. Eles trabalham com regime disciplinar
duríssimo, em que um policial pode ser preso porque não engraxou o sapato.