Cotidiano

Muita malícia, pouca notícia

Prosseguindo na diretriz adotada nos últimos três anos, o Senado Federal vem contribuindo com o país através de ações programáticas, calçadas em projetos relevantes para a nação. Nessa perspectiva nasceram a Agenda Brasil, com mais de 20 projetos já aprovados, e a Agenda Emergencial, encampada parcialmente pelo governo Michel Temer no que se refere ao pré-sal, à Lei de Responsabilidade das Estatais e à profissionalização da gestão dos fundos de pensão.

Imbuído desse mesmo espírito, apresentamos ao Senado Federal, no último dia 30, uma agenda com nove itens sobre temas diversos e, todas eles, impessoais. Já aprovamos a primeira proposta, que estende aos Legislativos estaduais, incluindo Tribunais de Contas, o limite de gastos com base no exercício anterior, como foi recomendado para o Executivo federal.

No bojo dessa relação, a pedido de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), foi incluído o projeto do Abuso de Autoridades, matéria sugerida no II Pacto Republicano, em 2009. Não se trata de nenhuma trama, casuísmo ou manufatura brasileira para embaçar, inibir ou constranger investigações da Operação Lava-Jato, que, reitero, são intocáveis. Há, na natural luminosidade que o fato adquiriu, muita malícia, preguiça, mas pouca notícia.

Não me consta que a Lava-Jato esteja cometendo abusos que motivem seu enquadramento legal, até porque, como se sabe, a lei não retroage. A legislação atual (Lei 4.898/1965), do regime militar, está obsoleta e necessitando de modernização, como já fizemos com vários códigos. Os aprimoramentos são no sentido de proteger os direitos e garantias individuais e coletivas da Constituição.

O projeto (PLS 280/2016), aos que se dispuserem a lê-lo, visa coibir e punir condutas que escapem ao estado democrático de direito, ao pluralismo e à dignidade da pessoa humana e engloba todos os poderes. Amparo-me na arguta observação do ministro do STF Gilmar Mendes, ao defender a necessidade de atualizar a legislação: ?O Brasil tem um catálogo de abuso de autoridade que vai de A a Z. Isso vai do guarda da esquina até, às vezes, o presidente da República?. Abusos de autoridades são noticiados em profusão e, para o Parlamento, não há cânones interditados, não há tabus.

É preciso acabar ? de parte a parte ? com a cultura do ?você sabe com quem está falando??. É imperioso mudar. Para tanto, uma legislação de escopo pedagógico é imprescindível, ainda que sua necessidade deponha menos a favor do grau de civilidade da sociedade do que se poderia desejar.

Saliente-se ainda que o projeto é fruto de um processo de convergência alcançado após diálogos intensos entre os Três Poderes constituídos no Brasil. Houve uma relevante participação e colaboração do Comitê Gestor do II Pacto Republicano, com a participação do Judiciário e Executivo, através do Ministério da Justiça.

Nunca me coloquei acima de nenhuma investigação. Na Constituinte, trabalhei para tirar o Ministério Público do papel, o regulamentamos e, depois, criamos o Conselho Nacional do Ministério Público. O aperfeiçoamento das instituições é inexorável e permanente. Tenho pontos de vistas e opiniões, mas elas não afetam minha condução na presidência do Senado, que é sempre resultado da vontade da maioria.

Isso não me impedirá de apontar imperfeições em estruturas públicas, de cobrar aperfeiçoamentos legais ou emitir posições sobre esta ou aquela autoridade. Parlamentares são eleitos para ter opinião. A Constituição democrática, não ao acaso, foi cristalina ao estabelecer que deputados e senadores são invioláveis por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.

O mandato parlamentar não cai bem aos covardes.

Renan Calheiros é senador (PMDB-AL) e presidente do Congresso Nacional