Cotidiano

Mistério das ?águas de Marte? fica ainda mais inexplicável

RIO ? Na ciência, é comum que, mais do que trazer respostas, as pesquisas levantem novas perguntas sobre seus objetos de estudo. Mas os cientistas que investigam Marte e seu passado enfrentam cada vez mais dificuldades para explicar como o clima no planeta teria permitido a existência de água em estado líquido na sua superfície há bilhões de anos. Agora, análises de rochas marcianas feitas pelo veículo-robô Curiosity, da Nasa, não encontraram carbono suficiente para apoiar uma das principais hipóteses para isso.

Apesar das amplas evidências acumuladas até agora por diversas missões espaciais de que Marte antigamente era úmido, com água correndo e se acumulando em poças, sabe-se também que o Sol era cerca de 30% mais frio nos primórdios do Sistema Solar. Diante disso, os cientistas climáticos lutam para encontrar cenários nos quais a superfície marciana fosse quente o bastante para que a água não congelasse.

E uma das principais hipóteses neste sentido é de que a atmosfera de Marte era mais densa e, portanto, tinha muito mais dióxido de carbono do que a atual, causando um efeito estufa similar ao aquecimento global que a ação humana está provocando na Terra. Mas as amostras do mesmo leito rochoso da Cratera Gale em que o Curiosity encontrou sinais de um antigo lago em Marte não trazem os minerais carbonados que deveriam ter se formado quando o lago existiu, há 3,5 bilhões de anos, num sinal de que a atmosfera marciana não tinha dióxido de carbono suficiente para gerar este efeito estufa. LINKS ESPAÇO

– Temos ficado particularmente abismados pela ausência de minerais carbonados nas rochas sedimentares examinadas pelo veículo ? diz Thomas Bristow, cientista do Centro de Pesquisas Ames, da Nasa, na Califórnia, que lidera a equipe responsável pelo instrumento de química e mineralogia do Curiosity (CheMin) e principal autor de artigo sobre estas análises, publicadas na edição desta segunda-feira do periódico científico ?Proceedings of the National Academy of Science? (PNAS). – Já seria difícil que a água ficasse líquida mesmo que tivéssemos cem vezes mais dióxido de carbono na atmosfera do que as evidências mineralógicas nas rochas estão nos informando.

Até agora o Curiosity não conseguiu detectar de forma definitiva minerais carbonados em nenhuma das amostras de rochas que recolheu na Cratera Gale desde que pousou nela, em 2011. O CheMin pode detectar estes carbonatos mesmo que eles componham apenas alguns poucos por cento da rocha. As novas análises concluem que a atmosfera marciana não teria mais do que algumas dezenas de milibares de dióxido de carbono quando o lago da cratera existiu, caso contrário teria havido produção de carbonatos suficiente para o instrumento detectá-los. Um milibar equivale a um milésimo da pressão atmosférica terrestre no nível do mar. A atmosfera marciana atual tem menos de dez milibares e tem cerca de 95% de dióxido de carbono na sua composição.

– Esta análise se encaixa com muitos estudos teóricos que dizem que a superfície de Marte, mesmo muito tempo atrás, não era quente o bastante para a água ficar líquida ? reconhece Robert Haberle, cientista climático que investiga Marte no Centro Ames e um dos coautores do estudo no PNAS. – Isto realmente me intriga.