Cotidiano

Ministério Público de Tocantins em pé de guerra

BRASÍLIA – Num estado em que desembargadores já foram acusados de vender sentença, dois ex-governadores foram envolvidos em operação da Polícia Federal, e um deles está preso, o Ministério Público local está em pé de guerra. Na disputa pela quarta recondução ao comando do Ministério Público de Tocantins, o procurador-geral de Justiça Clenan Renaut de Melo Pereira entrou na mira do próprio MP. Pai dos advogados Juliana e Fábio Bezerra de Melo Pereira, o chefe do MP-TO é acusado por colegas de interferir em processos instaurados contra prefeitos que contrataram seus dois filhos.

A desconfiança em relação a Clenan Pereira fez com que um promotor enviasse reclamação ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). O autor é o promotor João Edson de Souza, que atua na cidade de Tocantínia, próximo a capital Palmas. Em agosto deste ano, João Edson enviou também à justiça ação de improbidade contra os filhos do chefe do MP. Até o momento, os pedidos de investigação contra Clenan foram todos arquivados, incluindo o do CNMP, que não viu elementos para prosseguir com a investigação sobre a conduta do chefe do MP-TO. Mas isso não foi suficiente para aplacar o clima de desconfiança, acirrado neste momento pela disputa pelo comando do Ministério Público.

? Ele não poderia nem ter passado perto das apurações do MP porque os filhos são advogados de prefeito sob investigação. É uma simbiose complicada do ponto de vista moral e ético ? disse o integrante do Conselho Superior do Ministério Público do estado, procurador Marco Antônio Alves Bezerra.

? Esse assunto foi submetido ao Colégio de Procuradores e o Marco Antônio estava lá e não se manifestou. Existe um grupo que está interessado em tomar o poder (no MP). O Marco Antonio (procurador do Conselho), que já perdeu para mim em outra disputa e nunca se conformou, investigou minha vida pessoal toda. Não achou nada. Eles foram então para cima de meus filhos. Tenho 45 anos de serviço público, e agora querem me enxovalhar. A palavra dele (Marco Antonio) vale mais do que a decisão do CNMP? ? disse Clenan Pereira, numa referência à decisão tomada em Brasília arquivando reclamação sobre sua conduta em relação a processos envolvendo seus filhos.

Segundo ele, os descontentes representariam um pequeno grupo de promotores e procuradores. Clenan afirma que a maioria dos colegas está com ele. E diz que o grupo minoritário quer criar um fato político para que o governador do estado, que ele diz não gostar muito dele, possa indicar outro nome. O governador escolhe um dos nomes votados pelos próprios integrantes do MP para chefiar a instituição por mandato de dois anos. A eleição está marcada para amanhã, dia 26, e só dois candidatos estão na disputa, Clenan Pereira e o procurador José Demóstenes de Abreu.

AÇÃO DE IMPROBIDADE

Os dois advogados filhos de Clenan Pereira foram acusados em ação de improbidade de se beneficiarem de um contrato assinado ainda no final de 2013 com a prefeitura da cidade de Lajeado. Contratado sem licitação, o escritório de Juliana e Fábio Bezerra ganhou o direito de receber 20% dos cerca de R$ 105 milhões referentes ao resultado de um acordo fechado pelo então governador Siqueira Campos com a cidade de Lajeado para pagar em 120 parcelas de R$ 878,5 mil. O governo do estado reconheceu formalmente que devia à cidade uma parte do ICMS gerado a partir da operação de uma usina hidroelétrica. Isso significa que o escritório de Juliana e Fábio Bezerra tem direito de receber por dez anos parcelas mensais de cerca de R$ 175 mil.

Antes de propor a ação de improbidade contra os filhos do chefe, o promotor João Edson já havia feito o mesmo em maio deste ano contra a prefeita de Lajeado. Outra ação contra a prefeita também fora proposta ainda em 2012. E são nesses casos que a atuação do procurador-geral de Tocantins é questionada. Quando propõe uma ação de improbidade, o promotor envia ao chefe do MP ofício pedindo que também adote medidas judiciais na esfera criminal. Se a ação de improbidade a pena é multa mais perda do cargo e qualquer promotor pode elaborá-la, na esfera criminal, a pena é cadeia e só quem a propõe investigação contra prefeito é o procurador-geral do estado.

? Tenho duas ações contra a prefeita, uma ação contra escritório dos filhos do procurador-geral e não vi progresso nas demandas criminais que são da competência da procuradoria-geral. Não tenho elementos que interferência direta dele porque ele nunca me ligou, mas indireta sim ? diz o promotor.

E cita, como exemplo, que os procedimentos criminais foram avocados, a pedido de Clenan Pereira, para o setor especial da polícia que está vinculado ao chefe do MP-TO. Clenan afirma que este núcleo trabalha de maneira mais ágil acelerando as investigações. O CNMP analisou esse caso, mas não viu problemas porque considerou que o delegado do caso tinha independência para atuar.

ACUSAÇÃO DE COBRANÇA DE PROPINA

João Edson conta ainda que, em maio, logo após propor a ação de improbidade contra a chefe do executivo de Lajeado por conta da contratação dos filhos do procurador-geral, passou a ser acusado de cobrar propina pelo marido da prefeita. A acusação teria sido feita a partir de gravação de um advogado da cidade numa ação que teria contado com a ajuda do advogado Fábio Bezerra.

A acusação contra o promotor João Edson gerou uma investigação interna ainda em andamento. O pedido de investigação criminal contra a prefeita recebeu no mês passado parecer do MP-TO pelo arquivamento do caso. O texto, assinado por um subprocurador indicado por Clenan Pereira, faz elogios à competência de Juliana e Fábio Bezerra que teriam sido contratados pela expertise em assuntos tributários.

? Nesse caso, havia mais elementos para denunciar a prefeita do que para arquivar ? contesta o procurador Marco Antonio.

? Para mim ficou claro: estou sob ataque dos filhos dele e não houve manifestação do procurador-geral. Mas a procuradoria-geral já se pronunciou: absolveu a prefeita e o escritório dos filhos do procurador-geral. Já o meu caso (investigação contra o próprio promotor) continua sem conclusão ? disse o promotor João Edson.

? O Marco Antonio está usando esse promotor contra mim. Não quero falar sobre essa outra investigação (contra o promotor). Prefiro esperar para ver no que vai dar ? rebateu Clenan.

Ele afirmou ainda que em momento algum teve contato com os negócios dos filhos e que sequer sabia do tal acordo que os beneficiava junto à prefeitura de Lajeado.

Antes de entrar em contato com O GLOBO, Clenan enviou, pela assessoria na manhã de domingo, cópia de decisão do desembargador Helvécio Maia Neto, assinada no início da noite da última sexta-feira. O despacho arquivou o processo de investigação criminal contra a prefeita de Lajeado em relação ao episódio da contratação de filhos de Clenan Pereira. O magistrado tomou como base o parecer do MP-TO que pedira o arquivamento por não ver irregularidade na contratação de um escritório por notória especialização. Como o patrono da investigação é o Ministério Público, se há pedido de arquivamento pelo MP o magistrado se viu obrigado a encerrar o caso.

Por intermédio da assessoria, Clenan Pereira também enviou jornal cópias da decisão do CNMP que arquivou a reclamação contra ele. “Estamos há poucos dias da eleição ao cargo de Procurador-Geral de Justiça (PGJ) e sou candidato à reeleição. Tenho plena convicção de que a publicidade, somente agora, dos fatos reconhecidos como improcedentes, revela o cunho eleitoreiro de alguns membros, o que me traz profunda tristeza e irresignação. Não pela exposição em sidos fatos, até mesmo porque tenho a consciência tranquila, mas, sim, porque demonstra o real propósito de um pequeno grupo que pretende, de qualquer forma, ascender à chefia deste Ministério Público do Estado do Tocantins. Caso a extemporânea irresignação deste grupo estivesse no âmbito da legalidade, teria tomado as medidas legais, sem valer-se do anonimato, ao invés de buscar jornal de grande credibilidade nacional para atacar a minha pessoa e a minha família, como dito, às vésperas das eleições. Fica evidente que o único objetivo é tentar comprometer a minha candidatura por meio de ataques pessoais, vez que é notório e inquestionável o êxito obtido nas gestões em que estive à frente da chefia do Ministério Público do Estado do Tocantins”, diz o procurador-geral em resposta enviada ao GLOBO.

ÍNTEGRA DAS RESPOSTAS DO PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA

O procurador-geral Clenan Ranaut é acusado por colegas do MP de agir de maneira indevida em processos que envolvem investigado (prefeito), cujos advogados do município são seus filhos Juliana e Fábio Bezerra. O procurador-geral interferiu de alguma maneira tanto na esfera civel ou criminal, sem se julgar impedido? Ele emitiu algum despacho no caso da prefeita de Lajeado, por exemplo?

Antes de mais nada, esclareço que a acusação posta já teve sua total improcedência declarada pelas instituições competentes, no caso, Corregedoria do Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP, Subprocuradoria-Geral de Justiça e Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins. Respondendo sua pergunta, em hipótese alguma interferi em processos que tivessem meus filhos atuando como patronos de parte. No caso específico de Lajeado, nunca manifestei em autos em que Juliana e Fábio Bezerra tenham atuado como advogados. Aliás, estes não representam o Município, exceto na questão tributária, cujo processo findou-se com trânsito em julgado durante o transcurso da gestão de outro Procurador-Geral. No que diz respeito à esfera cível, a Procuradoria-Geral de Justiça sequer pode atuar, sendo atribuição do Promotor de Justiça de primeira instância, ou seja, o Promotor de Justiça da Comarca.

Integrante do MP-TO sustenta que o procurador-geral só se julgou impedido após representação contra ele na corregedoria feita por promotor de primeira instância. Procede?

Não procede. A única situação em que subsistia razão de impedimento foi no procedimento administrativo em que o promotor de justiça de primeira instância questionou contrato de natureza tributária firmado com meus filhos. Neste caso, me declarei impedido em 19 de maio de 2016, data em que recebi a notícia-crime, ou seja, 21 (vinte e um) dias antes da representação na Corregedoria, a qual ocorreu somente em 09 de junho de 2016. Inclusive, coloco-me à disposição para apresentar os pertinentes documentos.

O procurador-geral considera devido solicitar que casos de investigação de prefeitos que têm seus filhos como advogados em outros processos sejam transferidos de uma delegacia para divisão da policia que está vinculada e fisicamente instalada na PGJ?

Em primeiro lugar, cumpre esclarecer que o deslocamento de inquéritos para a Divisão de Investigação do Ministério Público -DIMP ocorreu pela extrema morosidade das investigações, tanto que, ao arquivar a representação formulada contra minha pessoa, a própria Corregedoria do Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP reconheceu que a remessa se deu para promover celeridade ante a total incapacidade da Delegacia de origem para a instrução do feito. Em segundo lugar, o Delegado atuante na Divisão de Investigação não é vinculado ao PGJ, mas ao Secretário Estadual de Segurança Pública. Em terceiro lugar, a investigação policial de agente com foro especial é supervisionada pelo Judiciário. Por fim, tendo em vista a independência funcional da autoridade policial, nada impede que a Divisão de Investigação promova investigação de qualquer prefeito, inclusive, aqueles que porventura tenham meus filhos como advogados.

O procurador-geral já tratou com seus filhos sobre os processos em questão, principalmente no caso de Lajeado e o contrato feito sem licitação pela prefeitura para contratar o escritório de seus filhos?

A contratação dos serviços advocatícios em questão ocorreu em consonância com a hipótese de inexigibilidade de licitação, nos termos do artigo 25 da Lei n° 8.666/93, uma vez que o escritório Melo & Bezerra Associados teve comprovada sua especialização em demandas tributárias complexas, conforme decisão recente do Tribunal de Justiça do Tocantins, tanto que já obteve êxito em contratações por outros Municípios, dentre os quais Peixe, Paranã e Fortaleza do Tabocão, as quais redundaram em expressivos ganhos para as referidas cidades. Cabe ressaltar que o entendimento recente do Conselho Nacional do Ministério Público por meio da Recomendação no 36/2016 é que a contratação direta de advogado, sem licitação, não constitui ato improbo ou ilícito. Ademais, eu não era Procurador-Geral de Justiça à época em que o referido contrato foi firmado, ou seja, no ano de 2013.

Tendo em vista que seus filhos são objeto de ação de improbidade movida por integrante do MP, o procurador-geral já tomou providências para analisar o caso do ponto de vista criminal ou repassou isso a algum outro procurador?

Ao receber cópia da respectiva ação de improbidade que questiona, dentre outros pontos, o contrato firmado com meus filhos e a Prefeitura de Lajeado, conforme acima afirmado, imediatamente declarei meu impedimento e remeti os autos ao Subprocurador-Geral de Justiça.

Embora o CNMP tenha já considerado em análise inicial que não vê motivos para instauração de procedimento contra Clenan Renaut, integrante do Conselho Superior em Tocantins ouvido pelo GLOBO considera que o chefe do MP de Tocantins não tem adotado a devida distância de casos que envolvem seus filhos. O sr. concorda com qual avaliação?

Em hipótese alguma. Primeiro que não se trata de uma análise inicial, e sim, análise de mérito, ou seja, terminativa. A afirmação efetuada pelo citado integrante do Conselho Superior, que sequer se identifica, desprovida de provas e em desacordo com a realidade dos fatos e com o que concluiu a Corregedoria do Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP é rasa, prematura, afrontosa e, quiçá, pretensiosa, sobretudo porque formulada perante jornal de circulação nacional às vésperas das eleições para o cargo de Procurador-Geral de Justiça. Causa estranheza que um Membro do Conselho Superior agora, há quatro dias das eleições para tal cargo, venha tecer essa avaliação, o que demonstra que a intenção, neste momento, é tão somente eleitoreira e jamais a favor do interesse público ou pela preservação da ordem jurídica. Aliás, não apenas a Corregedoria do Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP arquivou representação formulada contra minha pessoa, mas o próprio Ministério Público Estadual, através da Subprocuradoria-Geral de Justiça. Arquivamento este, submetido ao crivo do Tribunal de Justiça do Tocantins, o qual acolheu referida manifestação, determinando o arquivamento definitivo.

O procurador-geral vê alguma relação entre essas ações que citam seus filhos e sua atuação com o processo eleitoral próximo no MP-TO?

Estamos há poucos dias da eleição ao cargo de Procurador-Geral de Justiça (PGJ) e sou candidato à reeleição. Tenho plena convicção de que a publicidade, somente agora, dos fatos reconhecidos como improcedentes, revela o cunho eleitoreiro de alguns membros, o que me traz profunda tristeza e irresignação. Não pela exposição em si dos fatos, até mesmo porque tenho a consciência tranquila, mas, sim, porque demonstra o real propósito de um pequeno grupo que pretende, de qualquer forma, ascender à chefia deste Ministério Público do Estado do Tocantins. Caso a extemporânea irresignação deste grupo estivesse no âmbito da legalidade, teria tomado as medidas legais, sem valer-se do anonimato, ao invés de buscar jornal de grande credibilidade nacional para atacar a minha pessoa e a minha família, como dito, às vésperas das eleições. Fica evidente que o único objetivo é tentar comprometer a minha candidatura por meio de ataques pessoais, vez que é notório e inquestionável o êxito obtido nas gestões em que estive à frente da chefia do Ministério Público do Estado do Tocantins.