Cotidiano

Jornal 'Gazeta do Povo' recebe prêmio da ANJ por reportagem sobre supersalários de juízes do Paraná

BRASÍLIA – O jornal “Gazeta do Povo” e cinco de seus profissionais receberam nesta quarta-feira o Prêmio ANJ de Liberdade de Imprensa 2016, promovido pela Associação Nacional de Jornais (ANJ). Reportagens do jornal mostraram vários magistrados com ganhos acima do teto do funcionalismo público. Insatisfeitos, juízes do estado apresentaram uma série de ações em várias cidades paranaenses, obrigando os jornalistas a se deslocarem de um lugar ao outro para se defenderem. Em julho, em decisão liminar, a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), mandou suspender as ações.

Foram premiados os jornalistas Chico Marés, Rogério Galindo e Euclides Lucas Garcia, o analista de sistemas Evandro Balmant e o infografista Guilherme Storck. As reportagens foram publicadas em fevereiro, as ações foram propostas em março, e os profissionais começaram a viajar em abril. Se não houvesse decisão do STF, teriam mais audiências para participar em outros municípios do Paraná.

– O caso ainda está transcorrendo. Há uma liminar da ministra Rosa Weber, mas ainda não foi julgado o mérito. Então dá um reforço para a gente, na certeza de que o STF em última instância vai decidir a nosso favor. A gente não fez mais nada do que trazer ao público o que estava no Portal da Transparência. Basicamente foi isso o nosso trabalho – disse Euclides.

O jornalista destacou que a equipe recebeu suporte jurídico e financeiro da “Gazeta do Povo”, mas que atitudes como as dos juízes paranaenses inibem o trabalho da imprensa, em especial quando são veículos menores.

– Um blog que se propõe a publicar dados públicos independente jamais teria condições de arcar com todo o gasto que ia ter, se fizesse uma reportagem assim e acabasse ocorrendo a mesma coisa – destacou Euclides.

Guilherme Döring Cunha Pereira, presidente executivo do Grupo Paranaense de Comunicação (GRPCOM), que edita a Gazeta do Povo, afirmou nutrir respeito pelos juízes, mas criticou o corporativismo que levou ao ajuizamento de várias ações.

– As pessoas que, imersas numa cultura de forte corporativismo, ficaram talvez hipersensibilizadas, cegas mesmo, quando nossas matérias, bem feitas, com boa carga informativa, mas triviais, no sentido de não fazermos outra coisa além de expor com boa sistematização o que já constava no Portal da Transparência, questionou sua remuneração. A nosso ver, remuneração privilegiada ou no mínimo destoante da realidade social brasileira – disse Guilherme Döring.

O evento ocorreu em Brasília e contou com a participação do ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, do presidente da ANJ, Marcelo Rech, do vice-presidente da associação, Francisco Mesquita Neto, e do vice-presidente do Grupo Globo, João Roberto Marinho.

– O presidente Michel Temer é do PMDB. Nosso partido, há muito pouco tempo, tomou a iniciativa de dizer que, eu fui o tradutor disso como presidente da Fundação Ullysses Guimarães, a liberdade de imprensa está no DNA do PMDB. Logo, o governo, chefiado por nosso presidente Michel Temer, seguramente será um governo em que a liberdade de imprensa será prestigiada, resguardada e protegida – afirmou Padilha.

O presidente da ANJ, Marcelo Rech, do grupo RBS, lembrou que, mesmo havendo mais países democráticos hoje que no passado, ainda há muitas violações à liberdade de imprensa, inclusive no Brasil.

– Nós nunca tivemos tantos países vivendo sob regimes democráticos. Mas paradoxalmente, na minha condição paralela de presidente do Fórum Mundial de Editores, eu tenho subscrito notas e denúncias de violações quase diárias à liberdade de imprensa nos cinco continentes. No Brasil, nós vivemos uma era de ampla liberdade, mas não estamos imunes a ameaças. Ao contrário. Jornalistas em coberturas manifestações têm sido alvos sistemáticos por parte de ativistas políticos e de policiais. Com 39 mortos, desde 1992, ainda ostentamos o triste título de segundo país das Américas com maior número de comunicadores assassinados. A impunidade, em muitos casos, realimenta essa trágica estatística – disse Marcelo Rech.

O presidente da ANJ citou como exemplo o caso dos jornais “Extra”, do Grupo Globo, e “O Fluminense”. Na madrugada de terça-feira, cerca de 30 homens invadiram um dos depósitos onde o “Extra” é encartado, em Niterói, e levaram à força os exemplares do caderno do suplemento Mais São Gonçalo, que circula apenas naquela região e seria distribuído junto com a edição normal da publicação. O caderno trazia uma denúncia contra ex-presidente da Câmara Municipal de São Gonçalo, Aristeo Eduardo Teixeira da Silveira, conhecido como Gordo. Candidato a uma vaga de vereador pelo PMDB este ano, ele foi denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF) por desvios de R$ 57 mil que seriam destinados à saúde. O jornal “O Fluminense” também teve sua circulação afetada pela ação.

O vice-presidente da ANJ, Francisco Mesquita Neto, do Grupo Estado, elogiou o trabalho da equipe da “Gazeta do Povo”.

– É importante destacar que o assunto foi tratado com rigor, objetividade e sobriedade, o que é evidenciado pelo fato de que nenhuma ação pretendeu exercer o direito de resposta ou contestava o conteúdo fático da reportagem. Transformando o direito de todo o cidadão de recorrer aos juizados especiais em ardil para punir e intimidar jornais e jornalistas, os responsáveis pelas ações já obrigaram os profissionais e os representantes da Gazeta do Povo a comparecerem a 25 audiências, e percorrerem mais de 9 mil km, o que envolveu mais de 18 dias afastados de suas atividades normais – afirmou Francisco Mesquita Neto.