Cotidiano

Jadranka Andjelic, diretora de teatro: '?A representação da mulher é muito limitada?

?O ?j? do meu nome se pronuncia com som de ?i?. Nasci em Belgrado, antiga capital da Iugoslávia e hoje capital da Sérvia. Tenho 53 anos e estou no Brasil desde 2007, onde conduzo projetos para jovens e adultos de baixa renda que podem usar técnicas de teatro no processo de autoconhecimento e empoderamento.?

Conte algo que não sei.

Desde 1991, participo de uma rede internacional de mulheres, uma organização
muito ativa. Pretendemos repetir este ano o que houve aqui em 2015: mulheres do
mundo inteiro reunidas e compartilhando experiências e dialogando sobre
autoestima e empoderamento da mulher na sociedade.

Como discutir a representatividade da mulher nas artes e dar
visibilidade a essa bandeira?

A mulher nas artes se fez, ao longo da história, mais
presente do que na política. Mas, ainda assim, em termos de artes cênicas, os
homens prevalecem nos melhores papeis e na direção. Nesse contexto, a
representação da mulher é muito limitada: linda ou traidora, namorada ou mãe. O
desafio é quebrar essa imagem através de novos papéis e encorajar a mulher a
assumir o protagonismo.

Em que países isso ocorre?

Em muitos países europeus, o número de mulheres na direção teatral ainda é
muito pequeno. Dinamarca, Finlândia, Suécia e Noruega são exceções e estão
passos à frente na questão de igualdade de gêneros.

Na política também é assim?

Sim. A primeira mulher a ocupar a presidência de um país no mundo foi na
Islândia, nos anos 1980. Lá, os papeis de homem e mulher vêm ficando mais
equilibrados também no dia a dia.

No Brasil, o corpo feminino ainda é muito explorado nas
artes?

No cinema e na TV, a mulher ainda é tratada , muitas das
vezes, como simples objeto do desejo. Na dança já não é assim.

O estupro é, há muito tempo, uma arma de guerra, mas só
foi reconhecido como crime depois dos conflitos na ex-Iugoslávia (1992-1995) e
em Ruanda (1990-1996). Até quando teremos de conviver com isso?

Em 1995, eu estava chocada com a guerra na Bósnia.
Naquele ano, o estupro foi declarado crime. Mas só a lei não resolve. Temos que
acabar de vez com a cultura machista do ?estuprada porque merece?, impregnada em
homens e mulheres.

Qual era o cenário quando você fundou o primeiro laboratório de
teatro da antiga Iugoslávia?

Fundamos um teatro quando eclodiu a guerra. Funcionávamos como um laboratório
contra tudo.

Algum trabalho censurado?

Não. O regime autoritário estava muito focado na
televisão, totalmente controlada pelo governo. O teatro era menos visado e, por
isso, campo livre do pensamento. Nossa linguagem contemporânea, mais corporal e
menos literal, também permitiu que certas mensagens fossem transmitidas
veladamente. Nosso grupo sempre teve independência e postura liberal.

Como você saiu da Iugoslávia? Precisou de autorização?

Saí dois anos depois do fim da guerra, sem pedir
autorização, para a Dinamarca. Foi muito duro e doloroso, mas era preciso.

Como você vê as notícias recentes sobre o aumento do
conservadorismo na Europa?

Estou muito preocupada com a onda conservadora que se espalha em todo o
mundo. É mais um sinal da falta de humanidade, cultura e arte.