Toledo – Desburocratização, segurança jurídica, carga tributária menor, governo que deixa o empresário trabalhar, custo de produção mais baixo e menos entraves com o setor produtivo e para a contratação de mão de obra. Se a América Latina fosse loteada como cases de sucesso, certamente o protagonista atual seria o Paraguai. Com apenas 7 milhões de habitantes, menos de 70% da população paranaense, o país tem registrado crescimentos estáveis na casa dos 5% nos últimos 11 anos, apesar do entra e sai de presidentes e de sua fama de vendedor de produtos falsificados. Hoje, o Paraguai é quase que a China sul-americana, respeitadas suas devidas proporções.
O segredo disso, reconhece o Ministério da Indústria e do Comércio local, está nos brasileiros.
Atraídos pela Lei da Maquila, casada à Lei 60/1990, que facilita as transações internacionais como importações com tarifas diferenciadas e aberturas para mercados atrativos e que garantam competitividade, o país explodiu do ponto de vista econômico nos últimos cincos anos. Para os investidores, o Paraguai dá melhores condições de instalação das indústrias vindas de todo o Mercosul. Aí que o Brasil aparece como um grande protagonista.
Já foram para o lado de lá da fronteira, somente nos últimos anos, cerca de 200 indústrias que mantêm seus nomes comerciais e mais uma infinidade que firmou pacto de confidencialidade com o governo do país vizinho. São empresas que lado de lá da fronteira optaram por mudar de nome e querem sigilo absoluto sobre sua permanência ali. A justificativa é uma só: não despertar o interesse dos seus concorrentes diretos.
Tudo isso porque, enquanto no Brasil a carga tributária consome pelo menos 35% do faturamento das empresas, no Paraguai ele não passa de 10%. Este é apenas um dos aspectos num pacote de incentivos que volta a despertar o interesse de brasileiros que haviam interrompido o desejo de ampliar suas unidades implantando uma ou mais estruturas por lá, mas que frearam a decisão durante o acirramento da crise por aqui nos dois últimos anos.
Para o vice-presidente da Fiep (Federação das Indústrias do Estado do Paraná), o industrial Nelson Hubner, muitos industriais paranaenses que tinham o Paraguai nos planos voltam a pensar nele com a recapitalização calcada no fim da crise que se anuncia: “Do lado de lá da fronteira só existem vantagens. Os nossos irmãos e parceiros comerciais nos dão condições de trabalhar”, afirma, ao destacar que uma unidade internacional, somada à da região metropolitana de Curitiba, está no radar.
As grandes do oeste
Com base nos dados do Ministério da Indústria e Comércio do país vizinho, há pelo menos dez grandes indústrias do oeste do Paraná – envolvendo pelo menos duas grandes cooperativas agroindustriais – que já fincaram bandeira em solo paraguaio. Somadas às outras existentes, já são quase 30 mil empregos direitos criados pelos investidores brasileiros. Aliás, essa é uma das vertentes da Lei da Maquila, contratação de parte dos profissionais locais, a exemplo da absorção de parte da produção que deve ficar no mercado interno.
A internacionalização da economia
Num projeto que denomina de “internacionalização de sua economia”, o governo paraguaio reforça que em momento algum o objetivo é competir com o mercado brasileiro, mas se tornarem grandes parceiros. “O empresário brasileiro que ganha seu dinheiro no Paraguai volta para reinvesti-lo no Brasil. Queremos ser parceiros e não concorrentes e não queremos tirar as indústrias do Brasil, um País que tem dimensões continentais, queremos apenas que os melhores jogadores do Brasil venham para o nosso time também”, afirma o diretor do Ministério da Indústria e Comércio do Paraguai, Carlos Paredes Astigarraga.
A importação no país vizinho tem tarifação média de 1%, enquanto para as vendas internas a carga tributária é de 10%.
Aliás, 10% é a tarefa de casa na padronização do governo paraguaio na cobrança de impostos. A tributação sobre os lucros incide em 10%, o IVA (Imposto sobre Valor Agregado) é de 10% e o imposto de renda à pessoa física é de 10%.
Além da quotização menor e, portanto, menos onerosa, o processo de manufatura tem sido uma opção à China, por exemplo. Enquanto uma empresa brasileira que antes optava pela China levava até 120 dias para colocar seu produto no mercado nacional, forçada pela burocracia e a logística, no Paraguai, que está a menos de duas horas da região oeste, se leva de quatro a cinco dias para o mesmo produto ser inserido no mercado nacional.
Para o vice-presidente da Fiep, Nelson Hubner, além de todos esses aspectos, há de se lembrar ainda da energia elétrica, que para o setor produtivo de modo geral custa 70% menos que no Paraná. “Lá o governo deixa o empresário trabalhar, não interfere na produção e isso contribui para a escolha. A carga tributária sobre um trabalhador no Brasil é de 100%, lá fica na casa dos 30%. Isso torna a empresa muito mais competitiva”, reforça o industrial paranaense.
Paraguai vive a 2ª maior onda de imigração de brasileiros
Do lado de lá da fronteira o que também desperta a atenção dos investidores são os sindicatos trabalhistas que “não estão dispostos a brigar ou fazer greve, mas que querem apenas melhorar as condições de trabalho em um esforço de parceria entre funcionário e empregador”.
Este é um dos motivos pelos quais o Paraguai conta, neste momento, com pelo menos 500 mil dos chamados brasiguaios nesta que é a segunda maior onda de imigração já registrada pelo país. Equivale dizer, portanto, que dos 7 milhões de habitantes, 8% nasceram no Brasil, mas optaram por tocar seus negócios lá.
E são os brasileiros que levaram para lá o conceito do delivery, a entrega de produtos na porta de casa era algo que até poucos anos os paraguaios não conheciam, ao menos não tão de perto. “Na outra ponta para que possam trabalhar se oferece boa tecnologia, maior capacidade produtiva, impostos mais atrativos e tudo isso cria renda e dá empregos ao povo paraguaio”, segue Carlos Paredes Astigarraga.
Uma nova empresa em 30 dias
Enquanto no Brasil a burocracia trava e atrasa a abertura de uma empresa, no Paraguai o empresário vai a uma das unidades do Ministério em Assunção, mas, se quiser, pode ser mais próximo da fronteira, em Salto Del Guairá ou em Cidade do Leste e em 30 dias recebe uma cédula paraguaia como investidor para abrir conta em banco e tocar seus negócios por lá. “Quando o empresário brasileiro chega, fazemos questão de estender um tapete vermelho para ele. Hoje, dois terços dos investimentos feitos no país vêm do Brasil. O que vivemos no Paraguai é similar ao que o Brasil viveu na década de 1970. Mas algo é muito importante ser lembrado. O Paraguai só cresce se o Brasil crescer e tiver sua economia estável”, reconhece Carlos Paredes Astigarraga.
“A primeira coisa que precisamos fazer é colocar a casa em ordem e buscar estabilidade financeira. Foi um verdadeiro tsunami que passou em cima do setor produtivo brasileiro e a nossa recuperação do pós-crise vai ser lenta, depois disso não tenho dúvidas que muitas vão ampliar suas unidades com estruturas no Paraguai”, completou o vice-presidente da Fiep, Nelson Hubner.
A indústria que ressurgiu das cinzas
Toledo – Era manhã do dia 19 de setembro de 2014 e pelo menos 130 colaboradores trabalhavam na indústria de fios quando as chamas começaram e se propagar rapidamente. O sinistro levou mais do que uma estrutura física, de duas unidades que empregam cerca de 700 pessoas em Toledo, no oeste do Paraná. A destruição total de uma das fábricas da Fiasul engavetou sonhos e postergou planos. “Foram muitos desafios, momentos muito difíceis de não saber o que fazer, mas sabíamos que eram 700 famílias que dependiam do emprego. Junto com o incêndio veio a crise e vimos nossas vendas despencar. Chegamos a 430 funcionários. Tudo isso fez o desejo e o planejamento de implantar uma nova estrutura no Paraguai voltar para a gaveta”, conta o diretor-presidente da empresa, o vice-presidente da CACB (Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil), Rainer Zielasko, ao lembrar, aliviado, que não houve feridos.
Depois do sinistro os sócios precisaram se reinventar. Relocaram parte dos trabalhadores dessa fábrica, tiveram de demitir outros, foram em busca de novos mercados e de parceiros financeiros para reconstruir a indústria. O seguro cobriu 90% da unidade destruída e dele vieram R$ 43 milhões para a reedificação, os sócios buscaram financiamentos para os outros R$ 17 milhões e, depois de três anos e três meses de muito trabalho, reinauguraram a fábrica mais moderna do setor de fiação da América Latina. “Investimos em tecnologia, aproveitamos para modernizar e junto com o novo empreendimento veio o começo da recuperação econômica, os clientes voltaram e estamos empregando novamente 700 pessoas nas duas fábricas”, conta o industrial, aliviado.
Isso significa que está quase na hora de tirar da gaveta o estudo feito há alguns anos quando surgiu a ideia de expandir os negócios para o país vizinho. “Precisamos baixar nosso índice de endividamento, mas em 2019 pensamos em retomar esse projeto”, revela.
Apesar de que hoje, reconhece Rainer, as condições no Paraguai já não são tão favoráveis como eram há cinco anos. “Antes a energia elétrica era muito mais barata, hoje migramos para a energia livre e o custo é similar ao praticado no país vizinho. Antes a legislação trabalhista lá era muito mais atrativa, mas com a reforma aqui muita coisa melhorou, o que pesa no Brasil ainda é a carga tributária. Um funcionário custa dois no fim das contas”, reforçou.
Além disso, do Paraguai é possível acessar mercados ainda limitados no Brasil. “A logística de lá é interessante e a abertura para a exportação também”, acrescenta, deixando no ar os planos.
Produção só abastece o mercado nacional
Hoje 100% dos fios produzidos na Fiasul atende ao mercado nacional. A estrutura no Paraguai contribuiria para a abertura ao comércio internacional.
“Da metade de 2016 para cá o nosso mercado começou a se equilibrar, os clientes voltaram a aparecer e hoje tudo o que produzimos vai para cerca de 220 indústrias brasileiras”, citou Rainer Zielasko.
“Estamos trabalhando em três turnos e primamos pela segurança dos nossos colaboradores. Fizemos um termo de ajuste com o Corpo de Bombeiros que foi cumprido na íntegra. Nós realmente ressurgimos das cinzas e fizemos melhor do que estava. Esta fábrica é a mais moderna do setor da América Latina. Foi muito difícil, mas saímos fortalecidos. Houve melhora na gestão e estamos agora com mais foco no trabalho”, considerou o industrial.
Se voltar completamente ao mercado nacional foi uma estratégia pensada no efeito pós-crise brasileira. Com a recessão várias indústrias que estavam obsoletas, mas que incomodavam, saíram do mercado e o que sobrou registrou um pequeno crescimento, os grandes magazines passaram a se abastecer do mercado interno até porque o câmbio ficou menos competitivo nos dois últimos anos. “Hoje o que se produz vende, não há espaço para crescer para o mercado externo. Por isso a unidade no Paraguai seria interessante”, destacou o industrial ao lembrar que da estrutura em Toledo sai 1,5 mil toneladas de fios por mês. “São duas carretas por dia. Temos mais de mil clientes cadastrados, mas atendemos com regularidade 220. São as grandes confecções como Malwee, Hering, Marissol, Lunender e tantas outras entre os nossos clientes”, comemora, ao lembrar que, da sua lista de atendimentos, mais de 50 indústrias já fazem a produção da confecção no país vizinho.
