Cotidiano

Indicado ao Oscar por 'Estrelas além do tempo', Theodore Melfi revela passado de violência familiar

Links EstrelasApós receber três indicações ao Oscar por revelar uma história oculta da corrida espacial americana, no longa “Estrelas além do tempo” ? o título original é “Hidden figures”; “Figuras ocultas” em tradução livre ?, o diretor e roteirista Theodore Melfi revelou à imprensa marcantes e desconhecidas histórias do seu passado. Se no longa-metragem ele ilumina a importância de três mulheres negras fundamentais para o avanço de pesquisas da Nasa, em uma recente entrevista para o “Hollywood Reporter” o cineasta contou detalhes curiosos de sua infância e da sua formação familiar. Principalmente do seu pai, Joseph Melfi, um ex-mafioso guiado por uma ética própria e controversa.

? Lembro que ele tirava as cabeças dos parquímetros e pegava aquelas moedas de dez centavos para ajudar as pessoas. Dizia que não deveríamos ter parquímetros, porque já pagamos impostos para manter a rua. Ele instilou em mim um profundo interesse na hipocrisia e na justiça, e é sobre isso que se trata o filme ? disse ele.

No longa, que disputa no próximo dia 26 três estatuetas ? melhor filme, roteiro e atriz coadjuvante, para Octavia Spencer ?, o diretor dá voz às histórias de Katherine G. Johnson, Dorothy Vaughan e Mary Jackson, que à época da corrida espacial contra os soviéticos enfrentaram a segregação racial sulista e se revelaram fundamentais para que o primeiro astronauta americano, um homem branco, entrasse em órbita da Terra, em 1962.

? Cresci odiando qualquer coisa que cheire a injustiça, e o filme tem a ver com isso.

Na entrevista ao “Hollywood Reporter” o cineasta conta que é resultado do quinto casamento de um pai mafioso que, após quatro fracassos nupciais, decidiu se casar com uma ex-freira. O diretor revelou ter vivido uma infância difícil, sobretudo quando o pai, Joseph Melfi, após décadas de serviços prestados à contravenção, decidiu abandonar a máfia para fundar um jornal, e a família se viu em apuros. De um dia para o outro, os Melfi deixavam uma mansão de 26 quartos para se apertar num apartamento do Brooklyn. A diminuição da casa reduziu também a distância entre Theodore e seu pai que, por sua vez, reduzia gradativamente as barreiras entre afeto e violência.

? Ele era violento, sempre. Ele te dava uma bofetada na cara se você dizia uma palavra errada. Mas então, no minutos seguinte, ele te abraçava e começava a chorar, dizendo o quanto nos amava. Sim, eu o amava, mas nunca se podia prever o que ele se comportaria e o que você iria receber de um dia pro outro. Quando ele andava atrás de mim, os pêlos do meu pescoço se levantaram. Até hoje, se eu tiver esse sentimento, não me sinto seguro. Foram 10 anos de terapia.

Ao substituir a persona de mafioso bem-sucedido para a de jornalista faminto ? não só por notícias, mas por comida ?, o pai do cineasta abria, sem saber, o caminho da escrita a seu filho. Após lançar o M.A.F.I.A. Bulletin Board, Joseph enfrentou uma série de ataques, e decidiu alterar os rumos do novo negócio e modificar o nome do seu veículo para Middle America’s News. Foi ali que o futuro roteirista assinaria seus primeiros textos.

? Foi o começo da minha carreira como escritor ? conta. ? Eu tinha a minha própria coluna, e escrevia sobre esportes e diversos assuntos. Meu pai era louco, mas as pessoas o amavam. Ele queria ser político, concorreu para o governo de Nova York, financiado pela máfia, e colocava eu e meus irmãos no carro com chapéus com as inscrições “Joe Melfi para governador”. Lembro de uma vez que ele começou a xingar o governador e acabou preso. Ele sempre se metia em confusões.

Não apenas fora de casa. Com o avançar dos anos, o fracasso profissional repercutia em brigas e agressões físicas à mulher e aos filhos. Jospeh foi detido pela polícia diversas vezes, até que entre indas e vindas da prisão, aos 16 anos o cineasta viu seu pai pela última vez.

? Meu pai foi se tornando cada vez mais violento e abusivo. E fui crescendo no meio da pura insanidade. Lembro de uma vez em que ele apareceu em casa e estava sendo abusivo com meus irmãos. Eu tinha 16 anos, mas já era do seu tamanho, um pouco maior e mais forte, e surrei ele pela primeira vez na minha vida ? conta. ? Lembro dele caído no quintal de casa. Ele olhou para mim e começou a chorar, e eu comecei a chorar. Até que ele entrou no carro e saiu. Foi embora e eu n?o sei o que aconteceu com ele. Soube que morreu em Hollywood, na Flórida, e foi enterrado sem causa de morte. Tinha 69 anos. Nunca mais o vi.